Título: PT pagou dívidas de partidos em troca de apoio, admite Delúbio
Autor: João Domingos e Luciana Nunes Leal
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/08/2005, Nacional, p. A2

BRASÍLIA - O ex-tesoureiro Delúbio Soares admitiu ontem, em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Mensalão, que para conseguir o apoio do PTB, do PPS e de parte do PMDB à candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva no segundo turno da eleição presidencial de 2002 o PT assumiu dívidas desses partidos. Esses débitos foram pagos com dinheiro de caixa 2 oriundo dos empréstimos do empresário Marcos Valério Fernandes de Souza cujo valor total ultrapassa os R$ 55 milhões. A deputada Zualiê Cobra (PSDB-SP) lembrou a Delúbio que repasses financeiros de um partido para outro configuram crime. "Isso é ilegal. Um partido não pode assumir a dívida do outro", disse ela. Delúbio respondeu que, se o dinheiro fosse legal, não haveria problema. "Como é dinheiro não contabilizado, sei que é ilegal. Por isso, estou tendo tantas dificuldades", afirmou o ex-tesoureiro do PT.

Para o PTB, o dinheiro foi repassado, primeiro, para o ex-presidente do partido José Carlos Martinez, que morreu em 2003 num acidente de avião, e depois para o deputado Roberto Jefferson (RJ). No PMDB, as negociações eram feitas com o deputado José Borba (PR), que renunciou ao cargo de líder depois de ter seu nome envolvido no escândalo do mensalão. Delúbio contou ainda que, quando o PP passou para a base do governo, as dívidas do partido também foram assumidas pelo PT. Nesse caso, as negociações eram feitas diretamente com o deputado José Janene (PR), líder do partido na Câmara.

Ainda no depoimento à CPI, Delúbio disse que, por intermédio de Marcos Valério, repassou R$ 457 mil para que o hoje ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, pagasse as gravações de suas falas favoráveis a Lula na disputa do segundo turno da eleição. "Esse dinheiro se destinou ao pagamento de fornecedores e das gravações feitas por Ciro Gomes de apoio ao candidato do PT", disse Delúbio.

O ex-tesourerio afirmou ainda que, em negociação realizada na casa do deputado Paulo Rocha (PT-PA), onde foi fechada a chapa Lula-José Alencar e a dobradinha do PT com o PL, ficou combinado que caberia ao partido do vice 25% do total da arrecadação da campanha. "Esperávamos arrecadar R$ 40 milhões; chegamos a R$ 36 milhões. Era algo em torno de R$ 9 milhões, R$ 10 milhões", disse Delúbio. De acordo com informação de Valdemar da Costa Neto, presidente do PL, o valor foi fechado em R$ 10 milhões. Valdemar disse que pediu R$ 20 milhões, mas o PT só deu a metade. Desse encontro participaram Delúbio, Valdemar e José Dirceu. Num outro cômodo, ficaram Lula, Alencar e Paulo Rocha.

No depoimento à CPI dos Correios, Delúbio admitiu que a dívida do PT com Marcos Valério, do dinheiro do caixa 2, era de R$ 39 milhões.

Ontem, no entanto, na CPI do Mensalão, ele aceitou a versão do empresário, de que foram R$ 55 milhões. Mas não soube precisar um número exato. "Pode ser R$ 55 milhões, R$ 56 milhões, R$ 58 milhões."

PAPAI NOEL

Nesse ponto, foi lembrado pelo relator da CPI, Ibrahim Abi-Ackel, que "Papai Noel não existe e ninguém dá assim R$ 50 milhões se não tiver alguma garantia". Para Abi-Ackel, a garantia eram os contratos de publicidade ou a transferência de dinheiro dos fundos de pensão para os bancos emprestadores, o Rural e o BMG. Delúbio disse que ele reconhece a dívida e espera ver o PT quitá-la. Mas o presidente do partido, Tarso Genro, disse que não a paga, porque não há documentos que a comprovem.

Delúbio reconheceu que não há nada mesmo que possa documentar os empréstimos. "Não fizemos contabilidade nenhuma. Eu falava com o Marcos Valério, ele fazia o empréstimo. Não temos nem contabilidade de caderneta." Delúbio disse também que pretende se encontrar com Marcos Valério, para pedir ajuda sobre o quanto cada um dos beneficiados recebeu do Caixa 2 e qual é o montante do dinheiro. Ele não soube precisar nem quanto pagou ao publicitário Duda Mendonça nem ao PL ou ao PP e muito menos ao PT. O relator da CPI disse que não se surpreendia com os lapsos de memória de Delúbio. "Afinal, o senhor mexia com milhões. Como se lembrar de números pequenos?"

O ex-tesoureiro negou ainda que o PT tenha feito compra de votos. "O PT nunca comprou voto, nunca comprou deputado." Disse que nenhum valor conseguido pelo partido - nem os do caixa 2 - saiu de empresas públicas ou do exterior. Afirmou que as investigações vão apurar tudo. Lembrado que a CPI também investiga, afirmou que espera que ela apure tudo e chegue a uma conclusão. Como não sabe nada a respeito de números - embora fosse a pessoa que autorizava os gastos -, comprometeu-se a mandar à CPI, dentro de uma semana, um quadro com valores recebidos e pagos e a quem. Isso atende principalmente aos petistas, que se desesperaram com a falta de memória de Delúbio. Eles querem que o tesoureiro os ajude a provar que não receberam o mensalão.

CARRO

Delúbio afirmou ainda que o carro blindado utilizado por ele para ir à última reunião do PT foi pago por sua mulher, Mônica Valente. "Desde o assassinato do prefeito Celso Daniel, em 2002, a Polícia Federal me aconselhou a andar em carro blindado. Quero comprar um, mas não encontrei nenhum para meus recursos, que são de R$ 60 mil a R$ 70 mil, que vou conseguir com a venda do carro de Goiânia", disse Delúbio. O carro é um Toyota Corola.