Título: João Francisco desafia Dirceu e Gilberto Carvalho para acareação
Autor: Rosa Costa
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/08/2005, Nacional, p. A6

BRASÍLIA - João Francisco Daniel, convocado pela CPI, disse ontem que vai depor "à hora que marcarem", que está disposto a "dizer a verdade sempre", que está pronto para uma acareação com José Dirceu, Gilberto Carvalho "ou quem quer que seja", que vive "uma vida intranqüila, como se fosse um foragido" porque suspeita que o estejam monitorando. Três anos e 9 meses após o seqüestro e fuzilamento a sangue frio de seu irmão Celso Daniel, prefeito de Santo André, João Francisco acredita que, se o ministro Nelson Jobim, do Supremo Tribunal Federal (STF), não tivesse arquivado pedido de investigação sobre Dirceu, então presidente do PT, "o Brasil não estaria amargando o escândalo do mensalão".

"Vou à CPI a qualquer momento, eu não tenho problema nenhum", declarou ele ao Estado, ontem à tarde, por telefone, de sua casa, em São Bernardo do Campo. "Meu compromisso é com a verdade, sempre foi com a verdade. O que eu vou falar vai ser a verdade daquilo que eu souber. Não há problemas", asseverou.

GRANDEZA

João Francisco, médico oftalmologista, se diz "chocado" e "surpreso" com o esquema que liga o empresário do mensalão Marcos Valério a Delúbio Soares. "Eu não poderia imaginar que isso pudesse acontecer, dessa maneira, numa proporção dessas. Como todos os brasileiros eu não posso aceitar que fosse dessa grandeza."

João Francisco foi ao Ministério Público e falou por quatro horas, espontaneamente, sobre desmandos na administração municipal. E foi além: apontou para José Dirceu que, 8 meses depois, chegaria ao comando da Casa Civil.

Avisa que agora vai repetir à CPI o que sabe. Por exemplo: "O Gilberto (Gilberto Carvalho, secretário particular de Lula) me contou que parte do dinheiro da propina de Santo André financiava campanhas eleitorais do PT, inclusive a nível nacional." Ou isto: "Gilberto me disse que uma vez entregou R$ 1,2 milhão em espécie ao Dirceu."

Em 2004, Dir ceu entrou com uma ação de danos morais contra João Fran cisco. Mas esta não é uma ação comum. O ex-ministro pediu liminar à Justiça para não ser obrigado a comparecer à audiência, que era de seu interesse. "É a primeira vez que eu vejo o autor de uma ação não comparecer, fazer de tudo para não ir à audiência", anota João Francisco. "Já vi réu dar desculpa de pneu furado, dar desculpa de hipertensão arterial. Mas nunca vi quem está processando não aparecer", ri.

SEM POLITIZAÇÃO

Uma acareação na CPI não o intimida, ao contrário. "Eu vou, eu faço (acareação), com quem quer que seja", declara João Francisco. Uma coisa o preocupa, diz. "Não quero politizar essa questão, não quero que digam que tenho interesses políticos." O que interessa mesmo à família Daniel é que a morte de Celso seja esclarecida, matadores e mandantes identificados, punidos. "Queremos o caso plenamente esclarecido, este é o ponto. Vamos lutar até o fim, a família vai até o final disso."

Agora que a polícia reabriu a investigação, ele está otimista. Admite que vive dias de intranqüilidade, mas não de medo. "Pior que você ter medo de morrer é ter medo de viver." Depois que revelou o esquema Santo André, não teve mais sossego. Fechou a clínica de olhos que tocava havia 30 anos.

Há dois meses, percebeu que está sendo monitorado. "Ligam e perguntam à secretária sobre meu local de trabalho, onde eu dou plantões, meus horários, com quem saio, com quem ando, aquelas coisas que você tem certeza de que é a mando de alguém, para saber a minha rotina de vida. Estou sendo monitorado e grampeado. Minha vida é assim, como se eu fosse um foragido, mais ou menos isso."