Título: 'Não é necessário mais esforço fiscal'
Autor: Nilson Brandão Junior
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/08/2005, Economia & Negócios, p. B3
RIO - O presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Guido Mantega, rechaça a idéia de aumento do superávit primário de 4,25% para 5%, que vinha ganhando corpo nas últimas semanas, por sugestão do ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Mantega diz que "não vê nenhuma razão de fazer um esforço fiscal adicional que pode comprometer os investimentos". Ele defende cortes de gastos de custeio, não para engrossar o superávit, mas para liberar recursos para investir. O economista, que viu com surpresa a manutenção dos juros no nível de 19,75%, semana passada, sustenta também que já há espaço para a redução da taxa Selic. Ele reconhece que os juros reais (descontada a inflação) estão elevados e acredita que a tendência é de redução. Nas últimas semanas, Mantega promoveu discussões no banco com economistas de diversas correntes sobre a conjuntura brasileira. Quinta-feira, almoçou com Luiz Gonzaga Belluzzo, economista da Universidade de Campinas (Unicamp).
Apesar da disposição para o debate, tem dito que suas opiniões não representam críticas à política econômica. Nega, também, que haja divisão no governo em torno da política econômica atual: "Seguimos a política que o presidente Lula determina."
A seguir, os principais trechos da entrevista de Mantega ao Estado, concedida na quinta-feira.
Não está na hora de se começar a baixar os juros no País?
No governo, temos as instituições que cuidam da política monetária e as que cuidam de outros assuntos, como o BNDES, responsável pelos investimentos. Isso é algo para a esfera que cuida dessa área responder. Eu acho que já existem condições para a flexibilização, que são evidenciadas pelo comportamento da inflação. Todos os indicadores demonstram que está sob controle, caminhando para o centro da meta. Isto, por definição, coloca a possibilidade de uma queda. Agora, se eles estão levando em conta outros fatores, eu não sei. O Banco Central tem autonomia.
Um dia após a decisão do Copom, o sr. disse que foi uma surpresa a decisão do Copom. Já havia chances de redução?
Chances havia. Se você pegar o conjunto dos analistas de mercado, a maioria achava que poderia ter havido uma redução nos juros, mas não houve. Mas acho que em breve haverá redução da taxa Selic.
O governo tem feito forte esforço fiscal. Também não acha que já é necessário liberar um pouco mais o investimento, sobretudo em infra-estrutura?
O governo federal, de fato, tem o orçamento restrito para os investimentos por causa das contingências fiscais, da dívida, da responsabilidade fiscal, por causa do seu comprometimento com o superávit primário de 4,25%. Fora isto, ele tem um programa de investimentos, que é eficiente, é robusto e costuma ser incrementado no segundo semestre. No primeiro semestre, você faz os empenhamentos e no segundo semestre você faz as liquidações. Eu diria que está dentro do cronograma normal.
Parte do governo julga possível, necessário, ampliar o superávit primário de 5%. O sr. tem dito que não concorda. Por quê?
Não concordo com a ampliação do superávit porque 4,25% já tem se demonstrado suficiente para dar os resultados fiscais esperados, quais sejam a redução da relação dívida/PIB. Essa meta foi perseguida com muita competência, pelo governo como um todo, pelo Ministério da Fazenda, do Planejamento, e ela está sendo obtida. Tanto que você caiu de uma relação dívida/PIB de 57%, 58%, para 51% do PIB e continuará caindo. Então, se essa meta está sendo obtida, não vejo nenhuma razão de fazer um esforço fiscal adicional que poderia comprometer, aí sim, os investimentos. Os investimentos feitos pelo Estado brasileiro tem caído ao longo do tempo por causa desse passado fiscal, que reduz a margem de manobra. Não estou falando para voltar atrás. Mas para manter esta política, que já é de responsabilidade fiscal. É bom deixar claro que o governo não se manifestou pelo aumento de superávit. Foram outros setores. O governo do presidente Lula, a política do presidente Lula, mantém o superávit de 4,25%. Não há mudança.
Mas essa não é uma tese de alguma forma defendida pela Fazenda principalmente?
Eu não vi o ministro Antonio Palocci se manifestar nesse sentido. Pelo contrário, vi ele dizendo que não era favorável ao déficit nominal zero. E quem define esta política é o presidente Lula, não é o Ministério da Fazenda. O presidente Lula definiu que é 4,25% neste ano. Para o próximo ano eu ainda não sei, pois a proposta orçamentária está sendo elaborada. Mas acredito que a meta será mantidá em 4,25%.
Como o ajuste fiscal pode ser melhorado?
Pode ser melhorado com choques de gestão em alguns segmentos, coisas que, aliás, o governo já está fazendo, por exemplo na área da Previdência.
São ações mais ligadas ao custeio. Não há mais como travar os investimentos, é isso?
Exatamente. Acho que a gente pode reforçar os investimentos. Se você tiver uma boa gestão no custeio, se conseguir reduzir as despesas que são dispensáveis, aumentar a eficiência, você vai ter mais recursos, não para aumentar o superávit, mas para pôr mais investimento. Essa é a minha posição.
O sr. tem dito que o País tem condições inéditas para crescer. Então, o que breca o crescimento mais expressivo?
Durante este período, o governo se dedicou para a criação de condições inéditas de crescimento. É um caminho a ser percorrido, é uma trajetória. Agora, nós conseguimos chegar a uma etapa onde o crescimento pode ser consolidado.
Mas com estes juros é possível chegar a crescimentos almejados, acima de 5%?
A taxa de juros se referia a um problema de inflação, que está superado. Acho que no período do governo Lula, é a maior taxa de juros real. Então a tendência dela é diminuir. À medida em que houver uma diminuição, você estimula mais investimentos. Outra consideração é que boa parte dos investimentos no País não é feita com base na taxa Selic. Tem outras fontes de recurso. Por exemplo, o BNDES é responsável por um terço dos investimentos do País e a referência é a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP).
Há uma ala no governo que reúne o sr. e a ministra Dilma Rousseff, com visão mais expansionista, e outra mais contracionista?
Eu não identifico estas alas no governo. Acho que isso são deduções da imprensa, e eu respeito. Mas no governo não há alas. O governo é conduzido pelo presidente Lula e nós seguimos a política que ele determina. Claro que a gente pode ter alguma discussão, um ponto de vista diferente, mas, no final, é a política que ele determina que prevalesce. Então, é 4,25%, é 4,25%. Não há ala. Eu era ministro do Planejamento, tinha total afinidade com o Ministério da Fazenda. O superávit de 4,25% nós fazíamos juntos, viabilizávamos juntos, há perfeita sintonia.