Título: Caminhões perdem carga para trens
Autor: Agnaldo Brito
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/08/2005, Economia & Negócios, p. B6
O setor ferroviário brasileiro tem uma novidade. Entre composições de minério, grãos e combustível, circulam pelos 29 mil quilômetros de malha - cada dia com mais freqüência - trens carregados com bens de consumo, produtos que no jargão da ferrovia recebem a denominação de "carga geral". Geral mesmo. Frango congelado, leite longa vida, arroz beneficiado, motor e câmbio de automóvel e até veículo desmontado (CKD) para exportação. "Cada carga tem uma característica, um volume, um fluxo. Nenhum produto é igual a outro", salienta Melissa Werneck, gerente de Projetos da América Latina Logística (ALL). Por ano, a equipe comandada por Melissa desenvolve 150 projetos diferentes. Na maior parte, para empresas que avaliam as condições de trocar estradas por trilhos e, com isso, reduzir custos e ter mais opções. Foi o que ocorreu com a Sadia, a Frangosul e a Avipal. Também com a Volkswagen, a Fiat e tantas outras. De um fluxo de exportação baseado apenas em caminhões para outro, amparado basicamente pela ferrovia.
Segundo Melissa, são 300 mil toneladas de alimentos congelados por ano. A empresa também iniciou o transporte de 150 mil toneladas de arroz beneficiado do Rio Grande do Sul para São Paulo, mesmo trajeto cumprido para colocar na maior cidade brasileira 110 mil toneladas de leite longa vida por ano.
A MRS Logística também corre para aproveitar o momento. Tem engordado as receitas com a demanda industrial e trazido para a ferrovia cargas transportadas por caminhões, como o transporte de carros desmontados. A MRS fechou com a Volkswagen, a Teksid e a Fiat do Brasil contratos para o transporte de veículos desmontados para exportação, chamados CKD. Em São Paulo, a operadora ferroviária transportou de Taubaté até o Porto de Santos 5.224 contêineres no ano passado. Entre Minas Gerais e o Porto do Rio de Janeiro, a MRS rodou 5.675 contêineres no mesmo período.
Os resultados econômicos da diversificação de cargas começam a aparecer. Tanto MRS quanto ALL fecharam o primeiro semestre deste ano com lucro líquido e crescimento 100% superior ao obtido no mesmo período de 2004.
A MRS, concessionária responsável por 1,7 mil quilômetros de trilhos nos Estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, encerrou o primeiro semestre de 2005 com lucro líquido de R$ 199,1 milhões, crescimento de 146% sobre o desempenho do ano passado.
A operação brasileira da ALL obteve, por sua vez, um lucro líquido de R$ 70,2 milhões no primeiro semestre de 2005, 105% maior que o apurado de janeiro a junho de 2004 (R$ 34,2 milhões).
São sintomáticos os resultados e ocorrem por uma conjunção de fatores. O principal, segundo Julio Fontana, presidente da MRS Logística, é a produtividade. "A indústria ferroviária é um tipo de negócio com um dos maiores custos fixos do mundo. É fundamental, portanto, o esforço do setor em aumentar o volume de carga transportada. Quanto maior o volume, menor o peso dos custos", afirma. O setor percebeu que a escala não está apenas nos contratos para transporte de granéis, pode ser obtido com a atração da "carga geral". Em 2005, a MRS quer fechar o ano com 110 milhões de toneladas transportadas, um recorde.
Resultado inédito também na Ferrovia Centro Atlântica (FCA), controlada pela Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), que tem apostado no transporte de produtos siderúrgicos e contêineres. De 2002 para 2004, a FCA ampliou de 13 mil para 40 mil os contêineres embarcados nos trens expressos. Segundo Mauro Dias, diretor de Comercialização de Logística da Vale, o crescimento do transporte tirou a empresa do prejuízo. Dias informou que a FCA obteve lucro líquido de R$ 789 mil no primeiro semestre - pequeno, mas importante, se considerado que no ano passado havia apurado prejuízo de R$ 48,085 milhões.
MATRIZ DO TRANSPORTE
Existem dois cenários para as ferrovias até 2008. Em ambos, crescimento. A transferência de cargas dos caminhões para os trens vai tirar 36 mil caminhões das estradas brasileiras a partir de 2008. Até lá, a previsão da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF) é de que 30% da carga que circula no País estará sobre trilhos, um crescimento de 6 pontos porcentuais sobre a situação atual.
O segundo é pouco menos otimista: o transporte ferroviário responderá por 28% do volume total de carga, se houver investimento nos locais onde a ferrovia freia. Lugares que não são poucos, tampouco demandam poucos recursos. Investimentos em variantes e anéis ferroviários no entorno de grandes cidades (como São Paulo, Belo Horizonte e Curitiba), além da redução das passagens em nível e de desocupação de faixas de domínio. O investimento: R$ 4,25 bilhões, diz a ANTF.