Título: O que é melhor para a economia
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/08/2005, Notas e Informações, p. A3

As acusações do advogado Rogério Buratti contra o ministro Antonio Palocci abalaram o mercado, mas não surpreenderam a quem acompanha com um mínimo de atenção o noticiário sobre o escândalo que esfacela o PT e os partidos a ele aliados. Afinal, como dizia Monsieur de La Palisse, nada é mais previsível do que aquilo que aconteceu. E há muito se sabia ser apenas questão de tempo a entrada do ministro da Fazenda no palco onde se expõe o processo de putrefação do partido que se proclamava monopolista da ética na política. Afinal, o depoimento de Rogério Buratti reveste-se de impressionante verossimilhança justamente porque ele não acusa o ministro Antonio Palocci - à época dos acontecimentos relatados, prefeito de Ribeirão Preto - de se locupletar. O que Buratti diz é que Palocci executou disciplinadamente as diretrizes baixadas pela direção nacional do Partido dos Trabalhadores - pois não é plausível que o ex-tesoureiro Delúbio Soares tivesse, sozinho, poderes para tanto -, arrecadando dinheiro de fornecedores e prestadores de serviços às prefeituras conquistadas pelo partido e enviando o produto da pilhagem "ao diretório nacional do PT". Tratava-se de uma prática institucional: o sucessor de Palocci, que renunciou ao mandato de prefeito para assumir o Ministério da Fazenda, continuou aplicando o sistema, como revelou Buratti. Esse esquema, após a eleição do presidente Lula, foi transplantado para o plano federal, como mostram três CPIs, a Polícia Federal e o Ministério Público.

E não exageram o advogado Rogério Buratti e o publicitário Marcos Valério de Souza - o operador do mensalão - quando se dizem ameaçados e temem por suas vidas, pois o caso-padrão do sistema petista de arrecadação de "recursos não contabilizados" é o de Santo André. Lá, o prefeito Celso Daniel foi assassinado no momento em que descobriu que o dinheiro de propinas e comissões, que deveria ir para o partido, estava sendo desviado para bolsos particulares.

O que foi apurado até agora pelas investigações em curso, no Congresso, na Polícia Federal e no Ministério Público, já comprova a existência de uma rotina - foi a esse ponto que chegou a desfaçatez - de arrecadação de recursos ilegais. É isso que dá verossimilhança às denúncias de Rogério Buratti. Mas o mais chocante é que, mapeado o lodaçal da corrupção, verifica-se que nenhum petista que tenha ocupado cargo executivo em qualquer dos níveis de governo está acima de suspeitas. Não foi, portanto, o governo de Lula que acabou. Foi o governo do Partido dos Trabalhadores que se desmilingüiu. E é também o partido que se esfacela dilacerado por uma disputa feroz entre facções, de que é bom exemplo a impotência do presidente interino Tarso Genro, que viu frustradas todas as suas tentativas de limpar os quadros partidários - a começar pela expulsão de Delúbio Soares - porque o ex-chefe da Casa Civil José Dirceu ainda controla a máquina. Se Lula não quer que seu governo acabe, deve separar a ética do governo da ética do PT.

O ministro Antonio Palocci, porque tem sido o pilar da política econômica austera, é um dos pontos centrais dessa disputa interna, que envolve, além dos quadros de direção, a militância. Não estranha, portanto, que, ao aparecer o nome de Palocci num depoimento comprometedor, e antes mesmo que o depoimento fosse concluído, um membro do Ministério Público estivesse revelando com riqueza de detalhes, em entrevistas, o teor das acusações feitas por Buratti - que, aliás, passara por evidentes constrangimentos para ser levado a pedir os benefícios da "delação premiada".

Esse episódio deu uma nova dimensão à crise. No momento, importa menos a apuração das acusações - o que sem dúvida será feito. O que é essencial para a vida nacional é saber o que abalará mais a economia: se a permanência ou se o afastamento de Palocci do Ministério da Fazenda. O senador Jorge Bornhausen, presidente do PFL, resumiu bem a questão, dizendo que Antonio Palocci não é insubstituível. Na mesma linha, o secretário-geral interino do PT, Ricardo Berzoini, lembra que "as pessoas são importantes, mas não são imprescindíveis". Desde, evidentemente, que o presidente Lula dê ao eventual substituto de Palocci o mesmo respaldo que dá ao atual ministro. De fato, o que está em jogo, a partir das denúncias - verdadeiras ou não - de Rogério Buratti, não é Antonio Palocci, é a política econômica. E não se pode imaginar que Palocci conduza o Ministério da Fazenda sendo a cada momento chamado a depor em CPIs e outras investigações.