Título: `Querem acabar com o meu governo¿, diz presidente
Autor: Vera Rosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/08/2005, Nacional, p. A7

BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está cada vez mais isolado. Ao restrito grupo de ministros com os quais ainda conversa desde a eclosão da crise política, há três meses, Lula disse, na sexta-feira, que não agüenta mais o "denuncismo" e o "vale-tudo" para tirá-lo do poder. "Agora vale qualquer coisa contra o PT e o Lula", queixou-se o presidente, referindo-se a ele mesmo na terceira pessoa. "Eu já afastei o Zé Dirceu da Casa Civil, mas para a oposição não basta. Querem acabar com o meu governo", desabafou. Com a força de um tsunami, a crise que começou em maio envolveu os dois principais ministros da administração petista. Em junho, derrubou Dirceu. Hoje, atinge o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, acusado por seu ex-secretário de Governo Rogério Buratti de receber R$ 50 mil mensais de empreiteiras quando era prefeito de Ribeirão Preto.

Foi com muita irritação que Lula reagiu às acusações feitas por Buratti ao Ministério Público. "É o fim alguém dar crédito a esse cara", disse. Lula confia em Palocci e fará de tudo para mantê-lo na Fazenda. O presidente e o ministro temem, no entanto, a contaminação da economia.

Quem conversou com Lula, nos últimos dias, contou que ele mostra inconformismo com a evolução da crise. Acha que não é possível nem mesmo adotar uma única linha de defesa, porque o governo não sabe o que virá pela frente.

"Estamos andando no escuro, sem bússola. Cada dia aparece uma coisa nova", definiu o deputado Sigmaringa Seixas (PT-DF). "Lula está muito amargurado com tudo isso", observou o presidente do PT, Tarso Genro.

`HIPOCRISIA¿

Emissários de Lula pediram a José Dirceu, hoje deputado federal, que não crie mais constrangimentos ao governo e ao PT e saia da chapa inscrita pelo Campo Majoritário para a eleição do Diretório Nacional, em setembro. Dirceu já avisou que não deixará a chapa. Está disposto a desafiar Tarso a cumprir sua promessa de desistir da candidatura à presidência do PT. Pior: a alguns interlocutores, o ex-ministro deu sinais de que, se rifado, poderá arrastar Lula para o centro da crise. "O que está acontecendo é uma hipocrisia nacional. Não vou sair do PT com pecha de corrupto", protestou Dirceu. "Ninguém vai se salvar sozinho", insistiu.

Fiador das alianças que conduziram Lula ao Planalto, Dirceu foi o todo-poderoso da política e do PT, partido que presidiu de 1995 a 2002. Sabe que vai ser cassado pela Câmara, acusado de envolvimento no escândalo do mensalão. Alega, porém, que a cassação é um ato político.

Ao menos no PT, o ex-ministro esperava que Lula interferisse a favor de uma "saída honrosa" para ele. Não foi o que ocorreu. Com a guerra aberta entre Dirceu e Tarso, o Campo Majoritário rachou. "Se não criarmos um programa mínimo de reconstrução, o PT não terá mais viabilidade e o nosso projeto será arquivado", argumentou Tarso.

Dirceu sempre teve embates dentro do governo, mas o mais duro deles foi com Palocci, hoje na berlinda. Na prática, os dois petistas disputavam o legado político de Lula, de olho na eleição presidencial de 2010. Não raramente o então chefe da Casa Civil escancarava suas divergências com os rumos da política econômica e as altas taxas de juros.

"Você não vai tratar a gente como um bando de moleques!", esbravejou Dirceu para Palocci, no segundo semestre do ano passado, durante reunião de ministros do PT. A conversa foi pontuada por queixas sobre a penúria e pedidos de liberação de recursos. Em vão.

Lula sempre saiu em defesa de Palocci, o que irritava Dirceu. Mas o coro dos ministros descontentes com o rigoroso ajuste fiscal foi ficando cada vez mais encorpado. Na última reunião ministerial, há nove dias, houve tenso debate sobre o tamanho do superávit primário - a economia de gastos para pagamento de juros da dívida.

Palocci defendia a meta de 5% do PIB para 2006. Dilma Rousseff, sucessora de Dirceu na Casa Civil, foi contra: sustentou que os investimentos seriam ainda mais sacrificados. Árbitro do confronto, Lula decidiu manter o esforço fiscal em 4,25%.

Vencido na queda-de-braço, Palocci disse que a crise não pode fazer o governo cair na tentação do "populismo econômico". Até agora, foi ouvido por Lula. Mas não sabe o que pode ocorrer depois de entrar na linha de tiro. "A cabeça do Palocci, hoje, é um ponto de interrogação", resumiu um de seus auxiliares.