Título: No quarto dos fundos, o exílio do ex-guerrilheiro Genoino
Autor: Patrícia Villalba
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/08/2005, Nacional, p. A9

Auto-exilado em sua casa desde que deixou a presidência do PT, em 9 de julho, o ex-deputado José Genoino enviou na sexta-feira ao partido uma carta em que pede desligamento definitivo da direção. "Quero ser agora um militante de base", diz, em conversa exclusiva com o Estado em seu escritório, um ex-quarto de empregada nos fundos de sua casa. É lá que Genoino tem passado os dias, entre muitos cigarros - com a avalanche de denúncias sobre governo e PT, o plano de parar de fumar foi novamente adiado. Foi uma conversa, não uma entrevista. Durante todo o tempo, o telefone tocou sem parar. Ele observa que a maioria das ligações é de repórteres. Mas Genoino, por enquanto, não quer receber a imprensa. "Já falei demais. Não falo mais por ninguém, não tenho mandato nem represento mais o partido. Por isso não há sentido em ficar dando entrevistas", justifica.

Numa calça jeans, camiseta branca e havaianas, ele conta com satisfação que conseguiu arrumar todos os volumes encadernados em que estão as reportagens mais representativas de sua vida. Lembra que quase sempre teve a simpatia da mídia e, não sem certo ressentimento, diz que as coisas não são mais como antes.

Não se deixa fotografar, mas exibe um semblante menos cansado do que o das últimas aparições públicas. Nos primeiros dias, ficava à janela do escritório, olhando o vazio durante horas. Em silêncio, porque não tinha gosto nem de pôr um CD para tocar. "Eu cheguei a pensar se valeria a pena continuar vivendo assim", confessa.

O afastamento não vale só para a mídia. Não tem falado com José Dirceu nem com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Tem encontrado conforto entre os que o conhecem na intimidade - um amigo de longa data, os filhos, a mulher, Rioco. Os vizinhos que testemunham que ele está há 20 anos ali, na mesma casa modesta da Vila Indiana, bairro de classe média que pertence ao Butantã, se solidarizam. Um deles, taxista, ao saber que Genoino vendeu o carro, ofereceu: "Se precisar ir a algum lugar, eu te levo."

Mas ele não vai a lugar nenhum. Não vê motivos para ir à sede do PT, não encontra mais nos roteiros algum filme que justifique uma ida ao cinema.

Este tempo de reclusão tem servido para que ele ponha a cabeça no lugar. Foram anos de fato infernais, desde a campanha para o governo do Estado, em 2002. "Ninguém queria ser presidente do PT, mas o partido precisava e eu fui", diz, sem arrependimento, mas com uma certa mágoa.

Confessa que pensa até mesmo em se afastar da vida pública. O interlocutor que o conhece estranha, mas o homem que foi um dos parlamentares mais respeitados e influentes do País nos últimos 20 anos parece mesmo muito desiludido com o meio político. "Penso que eu poderia voltar a dar aulas", arrisca ele, que foi professor de História antes de eleito parlamentar pela primeira vez, em 1982.

BIOGRAFIAS

Genoino está às voltas com leituras. No momento, se revezam na sua cabeça as biografias - adora biografias - de Nietzsche e de Fernando Pessoa. Antes, leu a de Winston Churchill. Era ele quem falava que você deve manter os amigos perto e os inimigos mais perto ainda, não? "Sim, e ele estava falando dos próprios companheiros de partido", completa ele, uma frase que fica no ar.

Voltou, aliás, a escrever a autobiografia, que já leva anos. "Era para ter terminado quando eu saí do Congresso", explica. "Mas a cada momento acontece alguma coisa que resolvo acrescentar. Difícil fazer biografia de alguém ainda vivo."

Ao mesmo tempo, junta um calhamaço de documentos, sua vida fiscal nos últimos anos. Pedido da Receita Federal, motivado pela denúncia de que uma conta sua movimentou R$ 500 mil em 15 dias, na campanha de 2002. Ele repete que nada deve. "Eu já disse que tinha uma conta de pessoa física em meu nome para a campanha. No meio do caminho, a Justiça Eleitoral determinou que os candidatos abrissem contas como pessoas jurídicas. O dinheiro, então, foi transferido daquela conta para uma nova. Tenho todos os documentos que provam isso."

O ex-deputado, como se sabe, vivia e tirava seu sustento da atividade política. Sem mandato nem cargo no PT, teve de dar entrada com pedido de aposentadoria do Congresso. Vieram mais críticas, que ele não assimila: "Deveriam estranhar se eu não pedisse o benefício."

Ao contrário de muitos brasileiros que se viciaram em acompanhar o reality show das CPIs pela TV, Genoino evita assistir aos depoimentos. Confessa que lhe faz mal ver o palco montado pelos antigos colegas. "Eu continuo lendo os jornais, fico sabendo das coisas, mas evito a TV."

Ele lamenta que na CPI os antigos bandidos passem por mocinhos e se atire um nome na lama primeiro, para depois averiguar. "Mas política é assim mesmo", conclui, numa resignação que não convence, para completar: "O PT vai dar a volta por cima", aposta, agora sim lembrando o Genoino de antes.