Título: `Caixa 2 era, na verdade, caixa 1 da candidatura de Dirceu em 2010¿
Autor: Luiz Maklouf Carvalho
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/08/2005, Nacional, p. A10

FORTALEZA - Integrante do Diretório Nacional do PT, o assessor especial da presidência do Banco do Nordeste (BNB), Ozeas Duarte de Oliveira, 64 anos, há 20 no partido, onde foi secretário nacional de Comunicação de 1997 a 2003, disse ao Estado que o ex-ministro da Casa Civil e deputado José Dirceu (PT-SP) continuou sendo o presidente de fato do PT quando estava no governo e, como tal, "foi o principal responsável pelo esquema delituoso do caixa 2". Oliveira suspeita que "o caixa 2, era, na verdade, o caixa 1 do grupo de Dirceu, que assim pretendia viabilizar sua candidatura à presidência da República em 2010". O dirigente petista absolve o presidente Lula de qualquer responsabilidade pelo comportamento de Dirceu. Informado da entrevista de Oliveira, o deputado José Dirceu não deu o retorno solicitado. Delúbio Soares, Silvio Pereira e Marcelo Sereno - contados por Oliveira como integrantes do "grupo do Zé Dirceu" - não foram encontrados para comentar a entrevista.

Oliveira é, desde 2004, assessor especial da presidência do Banco do Nordeste, em Fortaleza. Começou sua militância política nos idos do governo Jânio Quadros. Foi do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e, depois, do Partido Comunista do Brasil (PC do B). Preso político por duas vezes - a última entre 1972 e 1976, quando foi vítima de torturas. Entrou no PT em 1984 e define-se como "militante de esquerda que defende a democracia e a igualdade social". Como secretário nacional de Comunicação do PT, atuou na coordenação de duas campanhas de Lula à Presidência - a de 1998 e a de 2002. Nesta entrevista, pede que a militância petista rompa com o grupo de Dirceu. "Eles passaram para o outro lado", diz. "São o que existe de pior na política brasileira."

Qual é a origem desta crise que o PT está vivendo?

O problema começou quando o Zé Dirceu manteve-se na presidência de fato do PT quando já estava na Casa Civil. Genoino foi o presidente na aparência. Na verdade, ele era porta-voz.

Quais são as evidências de que o ministro José Dirceu continuou a ser o presidente de fato?

O Zé Dirceu manteve o controle da máquina do partido. Seu relacionamento com o Genoino era hierarquicamente estabelecido. Na prática, estava acima do Genoino. Psicologicamente, Genoino colocou-se em posição de inferioridade. Não fazia nada na política sem consultar o Zé.

Por que o senhor diz que o Genoino assumiu essa postura?

Quando foi convidado pelo Lula para ser presidente do PT, Genoino consultou amigos, eu inclusive, e falamos que não devia assumir se não tivesse condição de tirar da Executiva o Delúbio e o Silvinho. Ele disse que não faria isso, sem dar o motivo.

Por que o sr. sugeriu que ele tirasse o Delúbio e o Pereira da Executiva?

Porque o Delúbio e o Silvinho, mas principalmente o Delúbio, eram unha e carne do Zé Dirceu. Operadores do Zé. Entraram na Executiva, pelas mãos do Zé, desde 95, para operar a parte estrutural do PT, o conhecimento orgânico do partido, o controle organizativo, financeiro. No PT essas coisas nunca foram transparentes.

Como o Genoino lidava com eles?

Tinham relação de muita cordialidade, mas o Genoino não sabia como é que estavam as contas do PT. Até procurava se distanciar, pra não saber.

E quem sabia?

Da parte financeira, o Zé e o Delúbio, com certeza, e o Silvinho, numa escala menor.

Quem foi o cérebro dessa operação milionária com Marcos Valério? O Zé Dirceu, de fato, que, quando ministro, usurpou as funções de presidente do PT. Com a vantagem de não ter responsabilidade jurídica, o que ampliava sua margem de manobra. Ele montou grupo paralelo ao partido. Não é só que não prestasse contas à Executiva. É que não era formalmente do conhecimento nem do presidente do partido. O Genoino avaliza aquilo, ainda hoje, por processo psicológico até difícil de entender.

Psicológico em que sentido?

Quanto mais as coisas apareciam, mais o Genoino dava as costas. No fim, ele ficou vendo, mas sem ver. É cego, porque deu as costas. Não queria saber. "Eu não quero saber disso porque não quero acreditar." Ele não quis acreditar. Ainda hoje dá entrevistas chamando o Delúbio de companheiro, a essa altura dos acontecimentos. Então, ele não quer acreditar. Se lhe disser que Delúbio teve comportamento de bandido, ele não acredita, diz que não é. Diz que é um companheiro que fez coisas erradas para o partido.

O senhor não acredita na versão Delúbio - de que o então ministro José Dirceu de nada sabia.

Não acredito, absolutamente. O Zé Dirceu é que fez isso.

Como está vendo a atuação partidária do deputado José Dirceu neste momento, no plano interno?

Ele volta atuando com o objetivo de se proteger e proteger o Delúbio. Nesse ponto, ele continua atuando como presidente do PT. É claro que estás tendo uma reação diferente por parte do Tarso Genro, que confrontou e está questionando isso.

E por que essa preocupação em proteger o Delúbio?

Porque é uma turma e, indiretamente, ele também está se protegendo. Voltou a atuar dentro do Diretório Nacional e usa o partido para se proteger.

Em que sentido?

Esse caixa 2 não é do partido. É caixa 1 do grupo do Zé Dirceu, para operar projeto pessoal, usando o PT como biombo. Porque na verdade era uma coisa paralela que objetivamente não era contabilizada no partido. Era o Marcos Valério que operava, tinha um monte de gente que não era do PT, que a gente ainda não sabe quem é. Era algo paralelo, em função de projeto político do Zé Dirceu.

Que projeto?

Ser presidente da República em 2010, sucedendo o Lula. Pra fazer isso aí ele construiu uma estrutura paralela dentro do PT. Como uma pessoa muito eficiente, um político capaz, ele se dedicou ao projeto de ascensão do Lula à Presidência, com enorme abnegação, e teve papel importantíssimo para que isso acontecesse. Foi para a Casa Civil, sendo espécie de primeiro-ministro, e qualificou-se para ser candidato natural em 2010.

Qualificou-se de que maneira?

Não só pelo exercício de fato desse papel de primeiro-ministro, mas também por controlar o PT, um controle tal que permitisse a ele ter assegurada a indicação, com o apoio do Lula, que seria uma grande dívida de gratidão pelo trabalho dele em 2002. Com o caso Waldomiro esse projeto recebeu golpe muito grande. Com o caso de agora, o Zé Dirceu não existe mais como personalidade política significativa. A carreira dele chegou ao fim. É um processo em que o personagem afunda. O grande problema é saber se o PT vai junto ou não vai. Ele se agarra no PT. Se o PT não se desvencilha dele, acaba indo junto. O fato até aqui é que a direção do PT ainda não puniu ninguém. É um erro grave o Delúbio ir pra Comissão de Ética. Ele confessou que cometeu um ato delituoso em face das leis do País e da ética pública. A direção deve expulsá-lo sumariamente. Não precisa apurar mais nada. Ele já confessou que tinha um caixa 2 do qual o partido não tinha conhecimento. Ele confessou. É simplesmente expulsar.

E por que a direção do partido não o expulsa?

Tem várias coisas aí. A primeira é que a teia que se construiu ao longo desses anos todos, de controle de relações, não foi desfeita. Muitas das lealdades construídas de 95 para cá continuam sólidas. Mas a verdade é a seguinte: o que esse grupo fez contra os petistas foi uma violência moral e psicológica muito grande. As pessoas estão realmente num estado de choque, não só de uma ferida moral, mas psicológica. Tem desde militantes que não se sentem com forças para confrontar essa situação, até militantes que não entendem politicamente o que está acontecendo. E até pessoas que receberam algum tipo de favor, que têm uma dívida política e não se sentem confortáveis em contrariar o grupo do Zé Dirceu. Com toda essa situação, o PT está como que manietado, nacionalmente, de cima a baixo. Mais de 99% não tem culpa no cartório, mas está nessa situação.

O deputado José Dirceu disse, recentemente, que o presidente Lula deve explicitar quem o traiu. Como é que o senhor entendeu essa frase do presidente?

Eu não posso interpretar. Eu posso dizer que o Lula não sabia, tanto quanto o Genoino não sabia, nos termos em que está aparecendo para a opinião pública. Isso foi uma coisa clandestina até para o PT, imagina para o presidente. Ele fez o que tinha que fazer. O PT não está podendo fazer porque o controle desse grupo sobre o PT é um controle real.

Quem o senhor colocaria nominalmente nesse grupo?

O Zé Dirceu, o Delúbio, o Silvio Pereira e o Marcelo Sereno. Pode ser que existam outros, mas os visíveis para mim são esses.

Como é que o senhor qualifica o funcionamento desse grupo?

Funciona com base em lealdades estritas, internas, para realizar atos não delituosos e delituosos em função de um projeto político muito específico. Esse sistema de poder precisa ser desestruturado, e a desestruturação disso implica uma atitude política corajosa da direção nacional do partido.

Por exemplo?

Punir os responsáveis. O PT é uma instituição importante para a democracia brasileira. É importante que as pessoas que se preocupam com a democracia no Brasil separem as coisas. Eu afirmo que mais de 99% do PT está por fora disso no sentido penal da palavra, e no sentido político. São pessoas de muito valor, e será muito danoso para o País que entrem na vala comum. Quando se generaliza, só facilita o jogo da turma do Zé Dirceu. Eles querem exatamente isso: caracterizar a atuação deles como uma coisa que diz respeito ao PT. Mas esse grupo passou para o outro lado. Estão contra nós. São o atraso do Brasil. Fazem parte do pior lado do Brasil.