Título: Lei eleitoral apressada deixa dúvidas
Autor: Lourival Sant¿Anna
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/08/2005, Nacional, p. A12

Bom era no tempo do onça: a primeira legislação eleitoral da República, o decreto 511, de 23 de junho de 1890, apenas sete meses após a sua proclamação, não continha uma só palavra sobre propaganda eleitoral. Nos tempos modernos, o Brasil alterna soluções para buscar a fórmula ideal, num vai-e-vem errático. Esta semana o Senado aprovou um projeto que ressuscita a legislação de 1993 (alterada em 1997) e provocou divergência entre os envolvidos com eleições. "A eleição pode e deve prescindir dos exageros nos programas eleitorais", defende o cientista político Antônio Lavareda, da MCI Estratégia. Especialistas em eleições concordam num ponto: as razões para uma mudança a galope na legislação da propaganda eleitoral foram influenciadas pelos gastos estratosféricos nas campanhas de 2002 e 2004 e pela crise política que está mostrando o uso de verbas irregulares na campanha do PT. As novas medidas pretendem conter gastos e o excesso de elaborados recursos publicitários para converter votos. "O marketing vai ser mais eleitoral e menos eleitoreiro", afirma o especialista em pesquisas Orjan Olsen.

Nos anos 90, depois de uma abertura gradual, a legislação das campanhas eleitorais endureceu. Em 1993 o Congresso aprovou um projeto que cerceou a campanha de 1994: só permitia o uso de gravações em estúdio, as cenas externas foram proibidas - como agora. Dizem que o projeto tinha o objetivo de barrar a exibição das centenas de gravações feitas nas "Caravanas da Cidadania", nas quais Lula, adversário de Fernando Henrique na eleição daquele ano, tinha cruzado o País, a partir de abril de 1993.

MAIS CARO

O jornalista Antônio Melo, que trabalha com marketing eleitoral há 15 anos, é adversário do projeto aprovado pelo Senado. "Se não posso filmar na rua, monto um cenário dentro do estúdio. Se não tem luz do sol, pago um iluminador sofisticado. No fim, a campanha vai ficar muito mais cara", diz ele, que lembra: "Estão fazendo isso por causa dos preços de Duda, mas é bom lembrar que nem todos cobram preços de Duda".

Muitos concordam com ele e presumem que o projeto foi aprovado com tanta presteza para dar uma resposta à crise política e às campanhas feéricas que Duda Mendonça fez para o PT em 2002 e 2004. Embora aprove o projeto, Olsen nega que o povo precise de monitores a zelar pela sua capacidade de escolher candidato: "As pessoas identificam os tratamentos emocionais. Hoje eles perderam qualquer eventual eficácia subliminar", assegura ele.

Todos concordam em que o Brasil tem a legislação mais generosa do mundo para a propaganda eleitoral; por um lado, isso é democrático, concluem os especialistas eleitorais; por outro, induz os candidatos a gastos enormes, como aconteceu com o PT nas duas últimas campanhas. Mas não foi só o PT. Na campanha de José Serra, em 2002, Nizan Guanaes comandou um projeto caríssimo.

Entre suas liberalidades perdulárias estava o hábito de fazer vários comerciais para cada tema e submetê-los a pesquisas qualitativas antes de colocar no ar, apenas, o que obteve melhor aceitação. O resultado foi que o custo final da campanha foi catapultado sem resultado prático. "A qualitativa funciona não para aprovar cada comercial ou programa, mas para aprovar a estratégia e o andamento geral da campanha", opina o jornalista Ricardo Carvalho, dono da RTV Produções, de Recife, veterano de campanhas em Pernambuco.

Lavareda acha que os debates vão ganhar espaço. "As disputas eleitorais brasileiras podem e devem prescindir dos formatos que vigoraram até aqui", diz, lembrando que a maior parte dos países concede menos espaço gratuito que a legislação brasileira - neles, o debate é muito valorizado como forma de esclarecer o eleitor. Mas o debate não terá grande potencialidade por causa do grande número de partidos. "O ideal seria criar uma cláusula de barreira que limitassem os partidos a, no máximo 6. Os debates seriam produtivos", propõe Carvalho.

VALORIZAÇÃO

Olsen diz que o projeto vai valorizar a política. A seu juízo, os candidatos terão de apresentar um projeto nítido de governo e, para explicá-la bem, deverão construir sólidas estratégias: "Acabou o tempo das campanhas emocionais, que ignoram os fundamentos políticos e tentam vencer a qualquer custo".

Os políticos precisarão construir sua imagem todo o tempo, não apenas no curto prazo das campanhas, alerta; e terão, naturalmente, de falar melhor. A palavra, agora, é a senhora do destino eleitoral de todos eles.

A nova regra muda o perfil das campanhas eleitorais. Os comerciais, a melhor arma de que dispunham os candidatos - porque são as mais eficazes - serão agora os mais desinteressantes, obrigados a conter apenas uma fala breve dos candidatos, sem nenhum adereço.