Título: Após dez anos, a mãe de todas as reformas é feita a toque de caixa
Autor: Lourival Sant¿Anna
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/08/2005, Nacional, p. A12

Há pelo menos dez anos - desde o primeiro mandato do presidente Fernando Henrique -, a reforma política é citada como prioridade número 1, a mãe de todas as reformas, capaz de gerar um Congresso mais sério, mais representativo, que poderia então parir as outras reformas necessárias, legislar e fiscalizar com qualidade e coerência. Há dez anos ela espera sua vez. A explicação é óbvia: por que os parlamentares iam querer mudar as leis que lhes permitiram se eleger? Foi preciso uma enorme crise de legitimidade - deflagrada pelo escândalo do mensalão - para o Congresso se mexer. Mais precisamente, o Senado, uma casa muito mais ordenada do que a Câmara, que, no dizer de um senador líder de bancada, "é a cara do Severino".

A reforma eleitoral aprovada na quinta-feira na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, a toque de caixa, vai agora para a Câmara, que tem de votá-la até 30 de setembro, se quiser que as regras novas vigorem na eleição do ano que vem. Muito longe de serem "a" reforma política, essas regras barateiam e encurtam as campanhas (ver quadro). São amplamente aceitas, embora haja ressalvas. "Essa proposta tem um eixo: acabar com o caixa 2", entusiasma-se o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP). "Cortamos drasticamente as despesas de campanha." A força do projeto, assinado pelo presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC), está em sua feição suprapartidária. "Ele foi construído a muitas mãos", diz Mercadante. "É um grande avanço."

Na Câmara, PFL, PSDB, PT, PTB, PL e PP, os maiores partidos da Casa, devem votar maciçamente a favor da proposta do Senado. Alguns deputados têm reparos, mas nada de substancial. Luiz Antonio Fleury Filho (PTB-SP), por exemplo, autor de um projeto de lei semelhante, vai propor aumentar a pena para quem recebe doações ilegais, de 3 a 5 anos, como prevê o projeto, para 4 a 10 anos, e multa até 100 vezes o valor doado ilegalmente, em vez de R$ 21.282 a R$ 53.205.

O deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) não concorda com duas das premissas do projeto: de que cenas de estúdio são mais baratas que externas e de que "a imagem é manipuladora, e a palavra, não". "Vou tentar derrubar isso", diz Gabeira, referindo-se à proibição de filmagens externas. Mas ele concorda que só devam aparecer, no horário eleitoral gratuito, candidatos e filiados.

A ex-prefeita de São Paulo Marta Suplicy (PT), que deve disputar eleições no ano que vem, vê com bons olhos a redução dos gastos, mas não a das imagens. "As mudanças nas regras das campanhas, reduzindo significativamente os gastos, são importantes para promover pleitos mais democráticos, evitar o abuso do poder econômico e a utilização de recursos financeiros não declarados", escreveu ela, num e-mail ao Estado. "Isto não significa que se deva cercear a veiculação das propostas e das informações necessárias ao esclarecimento dos eleitores, inclusive utilizando imagens externas."

"Fomos de um extremo a outro na TV", reconhece o senador José Jorge (PFL-PE), relator do projeto. "De produções `dudamendoncianas¿ ao estúdio. Os programas poderão ter pouca atração para o eleitor. Mas o momento exigia uma resposta rápida."

A Câmara tem a sua proposta, que envolve financiamento exclusivamente público de campanha e o voto em listas partidárias. É mais profunda e, por isso mesmo, praticamente impossível de aprovar. O relator desse projeto na Comissão Especial de Reforma Política, deputado Ronaldo Caiado (PFL-GO), acha que a proposta do Senado "pode vir apensada" ao seu projeto. "Não é um projeto estruturante", diz Caiado sobre a proposta do Senado.

O mais provável é que o projeto do Senado passe pela Câmara sozinho e o do deputado fique encalhado. Os líderes de bancadas concordaram, na quarta-feira, em colocar o projeto de Caiado em votação no plenário, livre de obstruções. Os pontos de discordância serão objeto de destaques, votados nominalmente. Não serão poucos.

OBJEÇÕES

O vice-líder do PL na Câmara, deputado Lincoln Portela (MG), diz que o partido vai votar a favor da proposta do Senado, mas não concorda com o financiamento público de campanha e com o voto em lista fechada, contidos no projeto da Câmara. "Talvez para 2008", adia Portela. "Em meio a esse descrédito da classe política, querer introduzir da noite para o dia essas medidas, com os partidos definindo as listas e o Estado tirando dinheiro de outras coisas para financiar políticos?", duvida o deputado.

A visão é parecida no PTB. "No meio de uma crise que envolve os partidos, como pedir que o eleitor vote no partido, não no candidato?", pergunta o deputado Luiz Antonio Fleury Filho (PTB-SP). "Que eleitor se anima a pagar campanhas nessas circunstâncias?" Fleury esclarece que, noutra conjuntura, poderia ser a favor do voto em lista. Já ao financiamento público, se opõe por princípio.

No PP, o deputado Luís Carlos Heinze (RS) considera bem-vindo o controle de gastos contido na proposta do Senado: "Não tenho recursos. A mim, beneficiaria." Mas é contra o financiamento público exclusivo. "Tem de haver um jeito de controlar melhor o caixa 2, sem botar dinheiro público nas campanhas, num país que já tem tantas necessidades." Heinze também é contra a votação em lista: "Sei que fortalece os partidos, mas o Brasil ainda não tem maturidade para isso funcionar."