Título: Lula `não é administrador¿ e não fez mais `porque não sabe¿
Autor: Luciana Nunes Leal e Mariana Caetano
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/08/2005, Nacional, p. A16

BRASÍLIA - Na última sexta-feira, o senador petista Cristovam Buarque (DF) e o senador Pedro Simon (PMDB-RS) debateram a pior crise política dos últimos anos a convite do Estado. Acima de tudo, cobraram do presidente Luiz Inácio Lula da Silva uma reação e criticaram o presidente por não ter permitido, há um ano, que fosse aberta uma CPI no Congresso para investigar as denúncias de corrupção contra o ex-assessor da Casa Civil Waldomiro Diniz. Acreditam que a operação abafa estimulou esquemas ilícitos que agora são revelados.

Simon diz que o presidente é um político, mas não um administrador. Cristovam reclama da falta de ação. Ambos atacam o ex-ministro José Dirceu. Apesar da gravidade da situação, repetem que o impeachment não é o caminho.

E têm esperança de que o Congresso conseguirá aprovar mudanças no sistema eleitoral que, já em 2006, dêem um freio nas campanhas milionárias.

Como se chegou a uma crise tão profunda?

Cristovam Buarque: Tenho responsabilidade com o que aconteceu, sou do diretório, o fato de ter combatido essa direção e nunca ter ido às reuniões do diretório é um agravante. O PT surgiu em 1980, no tempo do Brasil fechado em que o socialismo resumia o nosso objetivo. O PT não precisou formular um projeto para o País, se escondeu atrás da palavra socialismo. Quando chegamos ao poder, essa realidade tinha acabado e o PT, ao invés de adaptar-se, entregou-se.

Qual é a diferença?

Cristovam: Ao adaptar-se, você pode até mudar, mas tem princípios permanentes. No caso, resolver a questão social brasileira. Ficamos sem bandeira, nos limitamos à idéia da reeleição (do presidente Lula). E aí tudo passa a valer em nome da reeleição, como conseguir dinheiro. Enquanto isso era discreto, o PT mantinha a idéia da ética. A ética desaparece porque não tem uma causa que a controle. O político sem uma causa de luta só depende do tempo para ficar corrupto. Uns demoram, outros não. O PT entrou nessa crise geral por falta da causa.

Pedro Simon: Eu acrescentaria aí a maneira que começou. Eu dizia: "Lula, o Brasil inteiro está torcendo para dar certo. Tem que governar com os mais capazes". Lula respondeu: "É, mas eu tenho tantos parlamentares, tenho que ver..." E Lula fez um ministério sem a mínima preocupação de governar, com vários ministros que tinham perdido eleição. Chega aqui (no Congresso) e o PT vai comprar a bancada? Compor a maioria na base de dobrar a bancada do PTB, do PP, do PL? E agora está se provando como foi feito isso, compraram em dinheiro. Nenhum partido, dos mais vigaristas, nem a ditadura fez isso. Então começou mal. E o Lula - hoje está provado - não é um administrador, é um grande político. O Lula disse que o José Dirceu ia levar o governo. Mas o Dirceu também não dava para o negócio. O grande erro é que o Lula não tem o comando. Tinha o José Dirceu, que pegou e não fez.

O que os senhores esperavam de Lula a essa altura da crise?

Simon: Discordo das pessoas que fazem críticas muito pesadas a ele. Vi um Lula que não era o Lula (em discurso durante reunião ministerial, no último dia 12), baqueado, olhava para o chão, para o teto. Ele disse que foi traído. Eu digo: José Dirceu, o mais culpado foi você. Se não tivesse Dirceu não teria tesoureiro, secretário do PT. Lula diz que quer apurar, demitiu os caras citados até aqui. Não demitiu, lamentavelmente, o presidente do Banco Central. Não fez mais porque não sabe fazer mais. Fez o que podia. É com mágoa que digo isso, porque achava o Lula um baita líder. O José Dirceu pegou uns cumpridores de ordens, não queria que pensassem. Aí foi o crime. Cristovam: Mas as ordens do Zé não eram para mudar o Brasil. O primeiro erro do Lula foi ter um chefe da Casa Civil forte. Zé não cabia na roupa da Casa Civil. É maior. Na história do Brasil, são sempre auxiliares discretos. Zé não tinha projeto de mudar o Brasil, mas viabilizar a reeleição do Lula e talvez a sua própria eleição em 2010.

Haverá uma reforma eleitoral para 2006. Ela já permite frear as campanhas milionárias?

Cristovam: Sem dúvida. Mesmo que não houvesse nenhuma lei, a próxima eleição já vai ser melhor por causa do trauma.

A acusação a Palocci (seu ex-assessor Rogério Buratti diz que ele recebia propina de R$ 50 mil mensais de uma empresa de lixo quando era prefeito de Ribeirão Preto) é mais um ingrediente da crise ou abala definitivamente o governo?

Simon: É um ingrediente bem mais grave, porque o Palocci vinha sendo preservado e não havia nada contra ele. Se a denúncia é verdadeira, é muito ruim.

Cristovam: É o setor mais sensível. O Lula tem que convocar um grupo de personalidades, ex-presidentes, para saber como enfrentar isso. Ou desmentir claramente ou ver como fazer para ter outro ministro, se for o caso, ou como proteger esse. Se chega ao Palocci, o presidente tem que ter um gesto mais rápido do que no caso dos outros. Tirar o José Dirceu era muito mais simples do que o Palocci. O presidente podia ter estancado isso na CPI dos Bingos.

Simon: Se tivesse saído a CPI dos Bingos, não haveria as outras. Muitas coisas de que a gente está falando aconteceram depois. Se tivesse pego o Waldomiro Diniz, a Casa Civil, os caras iam se assustar.

Será que agora se desemboca no processo de impeachment?

Cristovam: Vou lutar contra. Só vou defender isso quando o povo todo estiver na rua.

Simon: Lula não é Collor e o PT não é o PRN. Se acontecer isso haverá uma crise de conseqüências imprevisíveis. Temos que rezar para que não aconteça.