Título: `Laços com Brasil são cruciais¿, diz candidata
Autor: Roberto Lameirinhas
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/08/2005, Internacional, p. A19

CHILE - Ex-ministra da Defesa da administração de Ricardo Lagos, Michelle Bachelet lidera todas as pesquisas para a eleição presidencial de dezembro no Chile, que disputará com o empresário Sebastián Piñera e o prefeito de Santiago, Joaquín Lavín. Em meio à campanha para tornar-se a primeira mulher a governar o Chile, Michelle concedeu, via e-mail, entrevista ao Estado. Como a sra. vê a pretensão brasileira de ocupar um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU? De modo geral, quais seriam os planos de um eventual governo seu para as relações com o Brasil?

Temos ressaltado sempre que o Chile deve definir e desenvolver sua política externa a partir de nossa própria região. Nesta perspectiva, as relações com o Brasil são centrais para nós. Trata-se de um país com o qual temos toda uma história de relações cordiais. Mas, muito além dos laços bilaterais, temos uma série de desafios conjuntos tanto em nível regional como mundial. E entre eles está, certamente, a aspiração do Brasil a um posto permanente no Conselho de Segurança da ONU. Apoiamos essa pretensão.

A sra. acredita na possibilidade de uma integração sul-americana que vá além dos acordos comerciais bilaterais?

Claro, esse é o desafio. Por um lado temos de aprofundar os acordos de comércio multilaterais, como a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e o Mercosul. Mas também há aspectos comerciais que são igualmente importantes. Temos de avançar na integração física e energética, o que temos denominado de "anel energético do Cone Sul". E podemos trabalhar conjuntamente no fortalecimento da democracia da região ou em operações conjuntas de manutenção de paz, como no Haiti.

Qual a sua visão sobre a democracia na região? Como um governo seu atuaria diante de crises como a que atingiu recentemente a Bolívia, por exemplo?

É preciso trabalhar constantemente para fortalecer as instituições democráticas nos países da região. A democracia tem hoje novas ameaças, que encontram caldo de cultura na fraqueza institucional. Temos de trabalhar em conjunto nestes temas, particularmente promovendo a cooperação econômica e o combate à pobreza, para fortalecer a democracia em suas raízes.

Em termos domésticos, qual é a sua expectativa ante a possibilidade de converter-se na primeira mulher a governar o Chile? Ser mulher é um obstáculo significativo na política chilena?

Ser a primeira mulher a se tornar presidente no Chile não deixa de ser um desafio importante. Sei que existe uma expectativa muito grande a respeito disso. Mas acredito que minha posição política de hoje é o reflexo de uma sociedade que cada dia mais amadurece em termos de integração e tolerância. Há décadas que a mulher chilena, como milhões de outras mulheres em toda a América Latina, estudam, trabalham e alcançam altas posições na sociedade, nos sindicatos e nas empresas. Faltava que a política se colocasse em dia com esta transformação social. Por isso, não creio que a mulher política tenha de superar obstáculos maiores só pelo fato de ser mulher.

Quais pontos das políticas do presidente Ricardo Lagos a sra. acha que deveriam ser mudados?

O governo do presidente Lagos tem sido muito bom e eu me sinto orgulhosa de ter sido ministra desta administração. Eu diria mais. Que todos os governos da Concertação Democrática têm sido muito bem-sucedidos. Democratizamos o país, tiramos milhões de chilenos da pobreza, avançamos em termos de saúde, educação, habitação e demos um importante salto na infra-estrutura do país. E fizemos tudo isso mais do que duplicando o tamanho da economia do Chile nesses 14 anos. São dados muito alentadores.

Evidentemente, há muitos problemas pendentes, assim como há novos desafios que nascem a partir das conquistas que fizemos. Entre outras propostas, pretendemos implementar uma ampla reforma no sistema previdenciário e trabalhar uma agenda de medidas centrada na igualdade. Também temos como meta promover uma reforma que permita um aumento substancial da qualidade e da eqüidade na educação, em especial para as crianças entre zero e seis anos.

Qual é hoje a influência do general Augusto Pinochet na política chilena?

Pinochet é, definitivamente, uma figura do passado. Felizmente, não tem mais nenhum tipo de influência no cenário político de hoje. Até mesmo seus partidários históricos, como o candidato presidencial da direita Joaquín Lavín, dizem que não o teriam dado apoio se tivessem conhecimento anterior das atrocidades que foram cometidas durante a ditadura militar.