Título: As UTIs mudaram para melhor
Autor: Adriana Dias Lopes
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/08/2005, Vida&, p. A24

Nos últimos anos, as UTIs mudaram, e muito. Em nome da humanização, os quartos ganharam cadeiras para acompanhantes e aparelhos foram para trás dos leitos - ficando escondidos do paciente. Janelas enormes para permitir a iluminação natural são agora bem-vindas. Em vez de paredes brancas, pinturas com tons alaranjados. Em nome da tecnologia, aparelhos ficam cada vez mais eficientes na tarefa de vigiar em tempo integral o paciente. As mudanças são profundas. Hoje, não se pode mais associar UTI a morte, como se costumava fazer até pouco tempo atrás. De 2003 para cá, de acordo com a Associação Brasileira de Medicina Intensiva (Amib), 87,8% dos pacientes saíram vivos das UTIs.

Essa realidade brasileira, que coincide com a americana, é resultado de duas principais frentes de investimento dos grandes hospitais do País: essa humanização e equipamentos de ponta. "A UTI é hoje o ponto de honra de um hospital", resume Elias Knobel, vice-presidente do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, que dirigiu a UTI do hospital por 32 anos.

Honra médica e financeira. Um dos melhores exemplos é o que vai ocorrer a partir de amanhã com o Hospital do Coração (HCor), em São Paulo, quando começam a funcionar 40 monitores de 17 polegadas e tela plana de sinais vitais, de última geração. A novidade ganha força se o valor do investimento for revelado: US$ 40 mil, cada um deles. Além da leitura de sinais vitais, o aparelho oferece à equipe médica a possibilidade de acessar qualquer exame laboratorial do paciente feito no hospital, laudos com imagens, como ressonâncias, ecografias, teste ergométrico, e a chance de fazer comparativos históricos dos resultados.

"Até a boa e velha chapa de raio X vai ser substituída pelo monitor", garante Wilson Robson Miguel, responsável pela administração financeira do HCor. "Acabou qualquer risco de extravio de papel. Além disso, a equipe médica economiza muito tempo e dá a resposta dos exames na hora para o paciente ou para a família, já que o monitor está ao lado do leito."

BACTÉRIAS

A humanização do setor teve início há pouco mais de dez anos. "A mudança começou no início da década 90, quando se descobriu que as piores bactérias eram as hospitalares e não as que vinham de fora", conta Moock. "É mais perigoso, na verdade, o visitante ser contaminado do que o contrário."

Por causa disso, quem entra na UTI, agora, precisa apenas lavar as mãos - quando entra no quarto e quando sai dele. Não mais, na maioria delas, usar proteção para sapatos e aventais.

Nas UTIs de bebês recém-nascidos, a entrada da mãe foi liberada. "Assim que o bebê tiver condições mínimas para ficar um tempinho fora da incubadora, ele já pode ter contato com o corpo da mãe. A melhora do bebê é impressionante", conta Ferreira, do São Luiz.

BIG BROTHER

A UTI é uma espécie de big brother na medicina. "É onde o paciente é vigiado e cuidado em tempo integral", explica Sarah Marilia Bucchi, gerente de enfermagem da UTI do Hospital Oswaldo Cruz, em São Paulo, que tem uma das maiores médias de enfermeiros por leito hospitalar: 1,3. "E é essa a diferença em relação ao quarto."

Entre os aparelhos que têm de trabalhar em tempo integral numa UTI estão a bomba de infusão (para infundir remédios e soluções com precisão), o ventilador (responsável por oxigenar o sangue) e a máquina de diálise.

De uns tempos para cá, a idéia é fazer que as máquinas sejam o menos invasivas possível. Hoje, por exemplo, cerca de 40% dos pacientes do Albert Einstein que precisam de respiração artificial usam máscaras de silicone ligadas a máquinas - tão alardeados nos seriados médicos da TV -, em vez dos tubos de polietileno que entram na traquéia. "No início, a máscara era pequena, mas percebemos que depois de uns dias ela machucava na altura do nariz. Foi aprimorada e passamos a usar máscaras do tamanho natural do rosto", conta Knobel.

UTIs infantis também têm sido foco de atenção. O Hospital e Maternidade São Luiz, em São Paulo, inaugurou em junho um andar só para a UTI de bebês.

Uma ala, em particular, chama a atenção pelo zelo: leitos especiais para crianças com menos de 1 quilo. O número de camas para bebês de alto risco no hospital dobrou - de 7 para 14 (veja quadro acima). "É fundamental que a manipulação de crianças prematuras de alto risco seja mínima", conta Carlos Bueno Ferreira, chefe do serviço de neonatologia do São Luiz. O colchão, por exemplo, tem função de balança para que o médico possa ver as medidas do bebê sem tirá-lo do berço.

Como a incubadora tem de ser aberta também o mínimo possível, o hospital tem a regra de que todas as intervenções sejam feitas de uma só vez.

Graças aos recursos, uma criança de 450 gramas que nasceu de uma gestação de no mínimo 23 semanas tem chances de sobrevivência. O tempo médio de um bebê com menos de 1 quilo na UTI é de 90 dias. Com os adultos a situação é outra. De acordo com o Projeto de Qualidade da Amib, que traçou um retrato de 58 UTIs do Brasil de 2003 a 2004, o tempo médio de internação do paciente da UTI foi em 2004 de 5,9 dias. O período tem diminuído. Em 2003, eram 6,4 dias. E, só no primeiro semestre deste ano, caiu para 5,4 dias.

TRANSFORMAÇÃO

"A UTI está acompanhando a transformação de todo o sistema de saúde", avalia Marcelo Moock, médico intensivista e diretor da Amib. "O objetivo é que o paciente fique cada vez menos tempo internado. Há 20 anos, quem quebrava uma perna ficava 20 dias no hospital. Hoje, alguns dias e olhe lá. E o que a UTI faz é diminuir o tempo da internação com os recursos que oferece."

Outros dois grandes hospitais também fizeram recentemente investimentos pesados e especificamente nas UTIs.

O Samaritano, em São Paulo, acaba de gastar R$ 7,5 milhões na ampliação de seis leitos e contratação de profissionais. O Instituto do Coração (Incor), do Hospital das Clínicas, inaugurou na terça-feira novas instalações da UTI, com direito a visita do governador Geraldo Alckmin. Entre móveis e equipamentos, R$ 17,5 milhões. O hospital teve a capacidade aumentada de atendimento em 30%.

No estilo dos melhores contadores de história, Elias Knobel, do Einstein, escreveu Memórias Agudas e Crônicas de uma UTI (Editora Atheneu Cultural, 164 págs., R$ 21), livro que descreve muito bem a humanização das UTIs por meio de alguns relatos reais e outros fantasiados ocorridos com pacientes e funcionários. "Mais de meio século depois de sua criação, essa três letras - UTI - ainda inspiram medo e ansiedade. Mas por absoluto desconhecimento", escreveu.