Título: Criança de rua tem casa, escola e ajuda
Autor: Alceu Luís Castilho
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/08/2005, Metrópole, p. C1

Um garoto de 10 anos sai de sua casa na periferia acompanhado por um adulto e, embora esteja matriculado na escola, vende há mais de um ano balas num semáforo na região dos Jardins, zona sul de São Paulo. Apesar de sua família receber benefícios como o Programa Renda Mínima, ele sustenta os pais com o que ganha nas ruas, entre R$ 11 e R$ 30 por dia. Esse é o perfil predominante entre 293 crianças e adolescentes, ouvidos em uma pesquisa feita pela ONG Projeto Travessia e a Prefeitura, que vivem em situação de rua e trabalham ou pedem dinheiro numa das regiões mais nobres de São Paulo, administrada pela Subprefeitura de Pinheiros. Conforme a Prefeitura, São Paulo tem 3 mil crianças e adolescentes trabalhando nas ruas. Mais da metade dos 293 jovens ouvidos na pesquisa está há mais de um ano nessa situação. Em alguns casos, esse período chega a dez anos. Crianças de até 7 anos compõem 18% desse universo. As porcentagens maiores estão na faixa entre 10 e 14 anos, com 53% do total. As meninas são 39%.

Apenas 3% das crianças e adolescentes nunca estudaram ou não estão matriculadas na escola - dentro, portanto, da média nacional, de 97% de universalização do ensino. Outros 45% estão entre a primeira e quarta série do ensino fundamental; e 45% entre a quinta e oitava série.

O dado que mais surpreendeu os educadores, segundo a coordenadora do Projeto Travessia, Lúcia Pinheiro, foi a alta porcentagem de famílias beneficiadas por programas sociais: 90% das 118 crianças e adolescentes que responderam a esse item específico estavam no momento da pesquisa inseridas em programas sociais (63%) ou já tinham deles se beneficiado (27%). Entre os 74 beneficiados, 39% recebiam o Renda Mínima; 20% o Bolsa-Escola; 14% o Leve-Leite; dois faziam parte do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti).

A maior parte não pede doações (28%), mas, sim, trabalha (72%). "Eles são explorados", resume Lúcia. "E estão sujeitos a toda a violência das ruas." Em 37% dos casos, os próprios pais trabalham junto ou supervisionam os filhos. Ela conta que os aliciadores saem com as crianças e adolescentes com peruas dos bairros de periferias.

"Os saquinhos de balas vendidos são padronizados, industrializados", observa. "Nesses casos, a questão passa a ser de investigação policial, foge do trabalho dos educadores."

Segundo a Secretaria de Assistência Social, o projeto do Travessia integra um programa maior denominado São Paulo Protege. Enquanto o Travessia trabalha na região de Pinheiros, a secretaria já desenvolve a mesma pesquisa de perfil nos bairros de Santo Amaro e São Mateus. O passo seguinte é encaixar cada família em programas como o Pós-Escola e Fortalecimento da Família.

OUTRO LADO DA MOEDA

Mas o que se deve fazer quando uma criança oferece balas ou pede dinheiro? É consenso entre educadores que a resposta deve ser negativa. Mas as crianças e adolescentes ouvidos deixam seus bairros na periferia porque quem vive ou trabalha na região da Subprefeitura de Pinheiros, de alto poder aquisitivo, faz o contrário.

Com o dinheiro (entre 1 e 2,5 salários mínimos por mês, por criança), 82% dizem prover o sustento de suas famílias. "As pessoas acham que estão fazendo um ato humanitário. Mas acabam sustentando a exploração do trabalho infantil", diz Lúcia. Segundo a socióloga, uma das ações a fazer, entre as que realmente beneficiem essas crianças e adolescentes, é a doação de recursos ao Fundo da Criança e do Adolescente (Funcad). A tarefa seria não só doar, mas fiscalizar. "A sociedade deve contribuir com o poder público e exigir dele prioridade para essa população, absolutamente desassistida", declara Lúcia. "Tirar as crianças de rua com peruas é uma política muito simplista. Você não pode remover se não der outra perspectiva, senão a criança volta." Ao poder público compete, para ela, fornecer vagas em creches, manter a criança na escola e fornecer atividades complementares.