Título: Indústria paga caro por empréstimos
Autor: Marcelo Rehder
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/08/2005, Economia & Negócios, p. A22

Custo desse crédito recai ou na alta de preços ou na rentabilidade das empresas que reduzem investimentos e criação de empregos

O aumento da taxa Selic está custando caro para as empresas que tiveram de recorrer a empréstimos bancários. Estudo da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac) mostra que só neste primeiro semestre as empresas desembolsaram R$ 9,960 bilhões apenas com o pagamento de juros, considerando uma carteira total de financiamentos no valor de R$ 414,2 bilhões. Se esse mesmo volume de recursos tivesse sido emprestado no primeiro semestre de 2004, antes da puxada da taxa básica de juros (que começou a subir em setembro), o valor pago seria de R$ 9,173 bilhões - uma diferença de R$ 787 milhões. "A política de juros altos força uma transferência de renda da sociedade para os bancos e o governo", afirma Miguel Ribeiro de Oliveira, vice-presidente da Anefac, responsável pelo estudo. O processo, afirma, traz sérios problemas para a economia do País. Nos setores onde a concorrência é pequena ou inexistente, o aumento do custo financeiro é repassado para os preços. Quem não tem o poder de impor preço é obrigado a abrir mão de parte da rentabilidade e reduzir a capacidade de investir e criar empregos.

Para calcular valores correspondentes ao pagamento de juros, a Anefac trabalhou com dados do Banco Central (BC) referentes a financiamentos bancários com os chamados recursos livres (não incluem empréstimos do BNDES nem crédito rural). A entidade calculou a taxa média de juros baseada no volume de recursos emprestados no primeiro semestre em cada modalidade de crédito à pessoa jurídica. Na primeira metade deste ano, a taxa média de juros cobrada das empresas ficou em 2,4% ao mês, ante 2,2% no mesmo período de 2004.

A manutenção da Selic em 19,75% ao ano, na prática, representou aumento da taxa real de juros, já que a inflação recuou no período."O BC tem um samba de uma nota só. Qualquer desculpa serve para não baixar os juros", critica Mário Bernardini, diretor do Departamento de Competitividade do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp).

O juro real deve ficar em 14,25%, de acordo com pesquisa do próprio BC. Para se ter uma idéia do que isso significa, Bernardini cita que a rentabilidade das empresas que atuam nos setores chamados concorrenciais está ao redor de 10%, na melhor das hipóteses.

"Hoje é muito mais rentável e seguro deixar o dinheiro aplicado no mercado financeiro do que investir em máquinas ou mais capital de capital de giro", afirma Sérgio Janikan, dono da Dom José Têxtil Indústria e Comércio, de Blumenau. A empresa deve faturar este ano cerca de R$ 12 milhões. Mesmo assim, trabalha com até 50% de capacidade ociosa. Segundo Janikan, a empresa poderia aumentar a produção, mas não quer correr riscos. "Com esses juros, é preferível faltar mercadoria do que sobrar estoques."

Muitas empresas que não dispõem de recursos próprios para o capital de giro também preferem trabalhar abaixo da capacidade. "Não vale a pena pegar dinheiro nos bancos para financiar a compra de matérias-primas. Os juros são bem maiores que as vantagens oferecidas por fornecedores para pagamentos à vista", conta Luiz Carlos Silva, dono da Lupa Indústria e Comércio, que produz componentes para fabricantes de equipamentos de refrigeração e de bebedouros. A empresa de São Paulo fatura pouco mais de R$ 1 milhão por ano.

Grandes empresas adiam planos de investimentos voltados para o atendimento do mercado interno, por causa das incertezas causadas pelos juros altos. "Os investimentos estratégicos e baseados nas exportações de celulose continuam a pleno vapor. O que não anda são os projetos de aumentar a produção de papel, que dependem da demanda doméstica", diz Boris Tabacof, vice-presidente do Conselho de Administração da Companhia Suzano de Papel e Celulose.

Segundo ele, o mercado interno está estagnado. No ano passado, as vendas domésticas do setor somaram 4,961 milhões de toneladas, retornando aos níveis registrados em 2002 (4,9 milhões de toneladas). Esse quadro não mudou no primeiro semestre deste ano: vendas internas somaram 2,365 milhões de toneladas, ante 2,363 milhões de toneladas em igual período de 2004. "Só vamos entrar em um ciclo de investimentos em papel se houver uma recuperação do mercado, o que fica cada mais distante por causa dos juros elevados."