Título: Palocci deu o recado certo
Autor: RIBAMAR OLIVEIRA
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/08/2005, Economia & Negócios, p. B2

Os mercados reagiram, na última sexta-feira, com grande sobressalto à denúncia contra o ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Ele foi acusado por seu ex-secretário Rogério Buratti de ter recebido propina de R$ 50 mil por mês quando era prefeito de Ribeirão Preto. Temia-se que Palocci tivesse sido ferido de morte e que sua saída do governo provocasse uma guinada na política econômica. Por causa dessa percepção, havia um grande receio no governo em relação ao que iria acontecer hoje, na reabertura dos mercados. Para acalmar os ânimos, Palocci concedeu ontem uma entrevista coletiva e foi muito hábil em suas afirmações. O recado principal do ministro foi que a atual política econômica independe de sua permanência à frente do Ministério da Fazenda. "A manutenção de minha pessoa (no cargo) não é fundamental para a economia", disse. "Ninguém é insubstituível", acrescentou. Segundo ele, a condução da economia não depende de uma pessoa, mas de uma política e do presidente da República. "Ou o presidente banca ou não há política", observou.

Na tentativa de reforçar a idéia de que os fundamentos da economia brasileira são sólidos e de que eles não serão abalados pela atual crise do governo, Palocci cometeu alguns exageros. Num determinado momento, o ministro chegou a dizer que a estabilidade da economia "não é mantida pelo ministro da Fazenda e nem pelo presidente da República", mas pelos avanços obtidos pela sociedade brasileira nos últimos anos. O que está blindando a economia, segundo a tese de Palocci, são as medidas corretas adotadas desde o governo Sarney.

O ministro da Fazenda citou a criação da Secretaria do Tesouro Nacional e o fim da conta movimento no Banco do Brasil, ambas medidas adotadas durante o governo Sarney. Citou também a aprovação da lei de responsabilidade fiscal e a renegociação das dívidas dos Estados e municípios, durante o governo Fernando Henrique Cardoso. Todas essas decisões, de acordo com Palocci, serviram para tornar os fundamentos econômicos brasileiros mais sólidos.

O processo de consolidação dos fundamentos econômicos, segundo Palocci, decorreu também de uma maior conscientização da sociedade brasileira. Para ele, a população não aceita mais a inflação e compreendeu a necessidade do equilíbrio fiscal. Assim, qualquer decisão do governo ou do Congresso que ameace os fundamentos da economia e aponte para o descontrole da inflação é rechaçada imediatamente. Ele citou, como exemplos, a recente tentativa de ampliação dos benefícios da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) e a elevação do valor do salário mínimo para R$ 384 pelo Senado. Essas duas decisões foram rejeitadas, de acordo com o ministro, como incompatíveis com o equilíbrio fiscal.

Exageros à parte, o ministro da Fazenda está certo ao ressaltar a pouca importância que, a esta altura, a sua permanência no cargo terá para a manutenção da atual política econômica. Ele lembrou que alguns consideram que sua eventual saída do governo pode representar o fim dessa política. "Agradeço a consideração, mas tenho claro que a economia é superior às pessoas", sentenciou. "A economia não reagirá de forma negativa a eventos que envolvam pessoas, mas a eventos que mudem a política econômica", observou.

A jornalista Denise Chrispim Marin, do Estado, quis saber se a permanência de Palocci no cargo, depois das denúncias, não seria um ponto de vulnerabilidade da atual política e se isso não fortaleceria a posição do grupo, dentro do governo e do PT, que deseja dar uma guinada na economia. Em resposta, o ministro lembrou que o presidente Lula nunca falou em "dar uma guinada" na economia.

Outro jornalista quis saber se a manutenção de Palocci no governo não forçaria o governo a intensificar o caráter ortodoxo de sua política econômica, com a adoção de um esforço fiscal suplementar. Palocci negou que essa seja a intenção do governo.

Antes da entrevista coletiva de ontem, Palocci disse que telefonou ao presidente Lula para lhe deixar inteiramente à vontade sobre a sua permanência no governo. "Jamais vou utilizar a sensibilidade da economia para ficar no cargo. Jamais vou dizer que a economia corre risco sem mim", afirmou. O ministro ressaltou, no entanto, que o fato de ter posto o cargo à disposição do presidente não significou que considere melhor deixar o governo. "Não cheguei à conclusão de que é hora de sair. Apenas quis deixar o presidente à vontade para tomar a decisão que considerar mais adequada", explicou. Lula decidiu manter seu ministro no cargo.

Talvez tenha faltado a Palocci dizer que a atual política econômica não muda pela simples razão de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva está convencido de que ela está no caminho certo. Lula está entusiasmado com os resultados econômicos obtidos até agora, principalmente na área do emprego. Como disse ontem Palocci, a economia brasileira está criando 104 mil novos empregos por mês, o que é 12 vezes maior do que o índice do governo Fernando Henrique Cardoso.

Na última reunião ministerial, Lula ressaltou o fato de que a credibilidade do governo na área econômica não foi afetada pelas numerosas denúncias dos últimos dois meses justamente porque o governo está fazendo "a coisa certa". A avaliação do presidente, transmitida seguidamente aos ministros, é a de que a pior coisa que poderia acontecer ao seu governo seria perder as conquistas obtidas até agora na área do emprego e do combate à inflação.

Lula foi informado também que o crescimento da economia provavelmente será maior do que os 3,4% previstos até agora. Ontem, o ministro Palocci chegou a dizer que os números citados por todos apontam para um crescimento em torno de 4%. O presidente sabe que o crescimento acelerado é o melhor caminho para a recuperação da popularidade que poderá ser perdida durante a atual crise política.

A reação exagerada dos mercados na última sexta-feira não levou em consideração, portanto, esta visão do presidente, a quem, como deixou claro Palocci em sua entrevista de ontem, cabe dar a última palavra sobre a atual política econômica. Ontem, o recado de Palocci de que essa política não muda com sua saída do governo foi correto. Ele significa que as denúncias contra o ministro poderão ser devidamente apuradas pelo Ministério Público, sem que isso resulte em transtorno para o País. Assim, o mercado deve agir de forma mais amadurecida.