Título: Crise favorece política cambial da Argentina
Autor: Mariana Barbosa, Francisco Carlos de Assis, Renato
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/08/2005, Economia & Negócios, p. B1

Com a alta do dólar, as exportações do país tornam-se mais competitivas

BUENOS AIRES - A crise política no Brasil e seus efeitos no câmbio provocam, por tabela, receio nos investidores na Argentina, que intensificaram o processo de dolarização de suas carteiras. Mas o aumento da cotação da moeda americana está sendo festejado pelo presidente Néstor Kirchner, pois a manutenção do dólar alto é a nau-capitânia da política econômica de seu governo. Pela primeira vez em meses, o Banco Central argentino não precisou intervir no mercado para evitar a persistente tendência de baixa do dólar. Na sexta-feira, o dólar subiu dois centavos e fechou a 2,92 pesos, o maior nível desde maio. "O fator político no Brasil só agora começa a criar uma acumulação de dúvidas, e a falta de previsibilidade levou o mercado argentino a comprar dólares. Esse movimento gerou fluxo negativo e, pela primeira vez, nosso Banco Central não teve de intervir e o dólar subiu", disse o diretor do Banco Central, Luis Corsiglia. "O dólar chegou a um nível adequado que permite que a produção argentina possa ser exportada com valor agregado", disse.

Com a alta da moeda americana, as exportações argentinas tornam-se mais competitivas. Desta forma, as vendas externas aumentam e o governo consegue nacos maiores na arrecadação tributária por meio da retenção sobre exportações.

Com estes fundos, a Argentina pode mostrar substancial superávit comercial, o que satisfaz parcialmente as exigências do Fundo Monetário Internacional (FMI). De quebra, destina parte do superávit para programas sociais, principalmente subsídios para os 2 milhões de desempregados, evitando potencial explosão social.

O governo Kirchner luta há meses contra a tendência de queda do dólar. O Banco Central realizou constantes intervenções no mercado. Há poucos dias, o gerente-geral do Banco Central, Carlos Pérez, admitiu que o governo havia adotado "comportamento agressivo para adquirir dólares e acumular reservas". Segundo ele, o plano é que em breve as reservas do BC passem dos atuais US$ 25 bilhões para US$ 30 bilhões. "As reservas ainda estão abaixo do nível ótimo", afirmou.

Pesquisa feita pela consultoria D'Alessio Irol indica que 59% dos empresários preferem que o dólar fique em uma faixa superior a 2,90 pesos. Outros 9% preferem mais baixo, em 2,60 pesos. Para os restantes 32%, o ideal seria de 2,50 pesos.

No Ministério da Economia, assessores de Lavagna sustentam que estes três anos de dólar alto não são ainda suficientes para recuperar o tempo perdido dos dez anos de conversibilidade econômica, quando ambas moedas tinham paridade.

Na época, os exportadores argentinos estavam limitados pelo alto custo de seus produtos, situação que só mudou com a drástica desvalorização, em janeiro de 2002, que acabou com a conversibilidade.

Apesar do efeito benéfico à política de dólar alto, a crise política brasileira preocupa setores empresariais, pois com uma eventual desaceleração, o mercado brasileiro consumiria menos produtos da Argentina. Uma piora da imagem do Brasil nos mercados internacionais também pode afetar o desempenho dos bônus argentinos, recentemente reestruturados.