Título: Escolas particulares no Japão sustentam ensino à brasileira
Autor: Ricardo Westin
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/08/2005, Vida&, p. A18

Já são cerca de 80 instituições ensinando os filhos dos descendentes de japoneses que trabalham no país

O grupo de crianças, todas com os característicos olhos puxados, segue a tradição oriental de deixar os sapatos na porta e calçar sapatilhas especiais antes de entrar para a aula. É uma cena que se repete todas as manhãs no portão de um colégio de Hamamatsu, uma cidade a cerca de 300 km de Tóquio. O local em questão poderia facilmente se passar por mais uma escola japonesa se não fosse por um detalhe: os alunos e os professores só falam português. Essas crianças nasceram no Brasil. Foram levadas para o outro lado do mundo pelos pais, que viajaram com o objetivo de fazer o serviço braçal das indústrias para, três ou quatro anos depois, com as economias nas malas, voltar ao País. Como fincar raízes está fora dos planos, muitos imigrantes resistem em matricular os filhos nas escolas japonesas. Foi dessa forma que acabaram criando um mercado que já tem quase 80 escolas particulares brasileiras espalhadas pelo território japonês.

"Nunca cogitei a hipótese de pôr minha filha numa escola japonesa", diz Eliana Teles Dias, que, ao lado do marido, deixou a cidade de Maringá, no Paraná, há quase dois anos para trabalhar numa fábrica de equipamentos eletrônicos em Hamamatsu. A filha, hoje com 9 anos, foi com eles. " A questão da língua é muito complicada. Ela não tinha nem noção. Sofreria muito, ficaria como boba no meio de crianças que só falam japonês."

Cerca de 10 mil estudantes da educação infantil ao ensino médio (antigo 2º grau) freqüentam as salas de aula brasileiras do Japão, onde aprendem as mesmas coisas que aprenderiam se estivessem no Brasil. A única diferença é que, além das disciplinas tradicionais, também têm lições de japonês. No entanto, a maior parte dos jovens brasileiros em idade escolar, 15 mil, está matriculada nas escolas japonesas.

PIONEIRO

Um dos pioneiros foi o mineiro Paulo Galvão, que chegou ao Japão em 1991 para trabalhar numa fábrica de carros. Ele começou a dar aulas de português para seus filhos, temendo que eles, influenciados pelas escolas japonesas, renegassem mais tarde a própria língua materna. Os vizinhos se interessaram. A procura foi tão grande que, com tantos alunos, ele pediu demissão da fábrica e passou a se dedicar exclusivamente à educação. Deixou de ser um "ensinador" de fim de semana para se tornar diretor de um colégio de verdade, a Escola São Paulo, que tem duas unidades no país.

De olho nesse mercado crescente, o Pitágoras, uma das maiores redes de ensino do Brasil, desembarcou no Japão em 1999 e já abriu colégios em seis províncias. Foi então que o Ministério da Educação do Brasil começou a prestar atenção nos imigrantes e considerar a possibilidade de os estudos feitos lá terem validade aqui. As primeiras escolas foram credenciadas em 2000. Até o momento, o MEC reconhece o ensino de 37 escolas. Cerca de 20 estão em processo de credenciamento. Todas são obrigadas a seguir a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

No Japão, porém, elas não são reconhecidas como escolas estrangeiras, apenas como estabelecimentos comerciais. Precisariam ter prédio próprio e dinheiro em caixa suficiente para manter-se em funcionamento por pelo menos um ano. "Não é por questões pedagógicas que não somos reconhecidos pelo governo japonês. É por questões meramente financeiras", explica Paulo Galvão, que também é presidente da Associação das Escolas Brasileiras do Japão (AEBJ).

PROFESSOR DE JAPONÊS

Para recrutar os professores, os diretores dos colégios foram às fábricas, onde encontraram muitas pessoas que haviam deixado a sala de aula no Brasil em troca de um salário melhor no Japão. Foi o caso de Teresa Uehara, que deu aulas durante nove anos numa escola pública de Angra dos Reis, litoral do Rio, antes de se mudar para o Japão, em 1994. "O trabalho na fábrica deixa o raciocínio travado. Eu estava meio bitolada. Não pensei nem duas vezes antes de aceitar o convite para dar aula para brasileiros. Está sendo uma experiência incomparável", afirma a professora do Colégio Pitágoras de Hamamatsu.

O diretor da rede Pitágoras no Japão, Pedro Mendes, diz que é difícil encontrar japoneses dispostos a ensinar a língua local aos jovens brasileiros. E, quando encontra, não duram muito no emprego. "Eles não estão acostumados com o nosso jeito de ser. O aluno japonês fica quietinho na carteira, não questiona o professor. É aquela rigidez. O aluno brasileiro é o oposto", compara.

É justamente isso que tem deixado Kadunori Matsui, um ex-funcionário público de 36 anos que se tornou professor de japonês há quase um ano, entre a cruz e a espada. "No Japão, a maioria dos alunos não gosta do professor. Aqui, quase todos gostam de mim. Isso é muito bom. Mas eles não costumam me obedecer. Tenho grandes problemas. Ainda não sei se quero ser professor para sempre", ri ele.