Título: Agentes não viam Jean como ameaça
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Fonte: O Estado de São Paulo, 22/08/2005, Internacional, p. A16

Mas equipe de vigilância recebeu ordem de ceder controle da operação a comando policial autorizado a atirar para matar, diz 'Observer'

LONDRES - Os agentes policiais que vigiavam o brasileiro Jean Charles de Menezes, morto a tiros por engano em 22 de julho na estação de metrô de Stockwell, em Londres, não acreditavam que ele representasse uma ameaça imediata, informou ontem o jornal britânico The Observer. Fontes de alto escalão da Polícia Metropolitana disseram ao diário que os agentes que seguiram Jean, de 27 anos, até a estação de metrô não achavam que ele fosse detonar uma bomba, estivesse armado ou agindo de forma suspeita. De acordo com The Observer, quando os policiais armados se juntaram à equipe de vigilância e assumiram a operação é que Jean foi considerado uma ameaça tão grande que se julgou necessário atirar oito vezes nele.

Fontes da polícia disseram que a equipe de vigilância queria apenas deter Jean, mas recebeu ordens de entregar o controle da operação aos policiais que tinham autorização de atirar para matar depois dos atentados de 7 de julho (que deixaram 56 mortos, entre eles 4 suicidas) e de 21 de julho (que não deixaram vítimas).

"Os três homens (da equipe de vigilância) nunca teriam entrado no vagão com ele (Jean) se acreditassem que levava uma bomba", declarou a fonte policial ao jornal. "Nada do que ele fez deu à equipe de vigilância a impressão de que levasse alguma bomba." Após a morte, a Scotland Yard declarou que Jean saíra de uma casa no sul de Londres, que estava sendo vigiada por causa dos atentados de 21 de julho e suas roupas e comportamento levantaram suspeitas.

Mas, segundo documentos e imagens divulgados pela rede ITV, obtidos da comissão independente que investiga o caso, nada sugeria que o brasileiro fosse um terrorista suicida. De acordo com as imagens, Jean não usava uma jaqueta pesada, entrou normalmente na estação, pegou um jornal gratuito e, ao entrar no vagão, sentou-se no primeiro lugar livre. Nesse momento, foi dominado por um policial antes que outro entrasse e disparasse contra ele.

Membros da unidade de policiais armados estariam furiosos pelo fato de Jean não ter sido adequadamente identificado quando deixou seu apartamento. Policiais ligados à equipe armada disseram que ela tinha recebido treinamento para lidar com homens-bomba. Um elemento-chave da equipe tinha sido alertado de que um potencial suicida iria detonar uma bomba ao primeiro sinal de que tivesse sido identificado.

De acordo com o jornal, segundos antes de a equipe armada entrar no vagão, um membro do grupo de vigilância, usando o codinome Hotel 3, gritou: "Ele está aqui." Jean, alarmado com a movimentação, levantou-se e seguiu para a porta. Então, foi agarrado e empurrado para seu assento. Os primeiros disparos foram feitos enquanto Hotel 3 o estava segurando.

A comissão independente também investiga quem teria vazados os documentos para a ITV, mas fontes citadas pelo Sunday Times disseram que a polícia não está cooperando.

Uma delegação do Ministério da Justiça do Brasil chega hoje a Londres. A delegação, chefiada pelo subprocurador-geral da República Wagner Gonçalves, espera obter amplos esclarecimentos sobre o caso, informou o Itamaraty.