Título: O fim do sonho do 'Grande Israel'
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Fonte: O Estado de São Paulo, 22/08/2005, Internacional, p. A15

Maioria dos judeus continua no exterior e população palestina cresceu mais rápido

Para os que sempre consideraram loucura assentar um punhado de judeus em meio a centenas de milhares de palestinos na Faixa de Gaza, a decisão de removê-los parece uma aceitação do óbvio. Que futuro possível os colonos poderiam ter? Como sua presença poderia fazer algum bem para o Estado de Israel? Mas, para aqueles que, como o primeiro-ministro Ariel Sharon, criaram e alimentaram os assentamentos, a iniciativa de removê-los é algo bem diferente. É um reconhecimento não só do erro, mas do fracasso. Seu estimado objetivo - a ocupação de toda a terra bíblica de Israel por judeus contemporâneos - não será atingido. O motivo: eles não vieram em número suficiente. "Tivemos de aceitar certas realidades imprevistas", admitiu Arye Mekel, cônsul-geral de Israel em Nova York. "Ideologicamente, estamos desapontados. Um autêntico sionista tem de estar desapontado, pois o sionismo significava que os judeus do mundo juntariam sua bagagem e se mudariam para Israel. A maioria não fez isso."

David Kimche, que nos anos 80 foi diretor-geral do Ministério do Exterior de Israel, observou: "O velho objetivo dos nacionalistas sionistas era um Estado 'nas duas margens do Jordão'. Quando isso se tornou impossível, passamos a falar do 'Grande Israel', do Jordão até o mar. Mas as pessoas agora percebem que isso também é algo que não conseguiremos alcançar."

O fracasso tem duas fontes principais. Primeiro, ao contrário das expectativas dos primeiros sionistas, como observou Mekel, a maioria dos judeus do mundo não se juntou aos irmãos para viver em Israel. Do total de judeus (entre 13 milhões e 14 milhões), uma minoria (5,26 milhões) mora em Israel, e a imigração praticamente parou. No ano passado, apenas 21 mil judeus imigraram para Israel, uma baixa recorde.

É claro que Israel é um Estado notavelmente bem-sucedido, uma democracia com alta qualidade de vida e muitas conquistas admiráveis. Mas a miséria que, segundo os sionistas, os judeus sofreriam em outros lugares não se concretizou. Mais de 50 anos depois da criação do Estado judeu, mais judeus vivem nos EUA do que em Israel.

A segunda explicação para a mudança na política de colonização é que a população palestina cresceu muito mais rápido e os palestinos se mostraram muito mais dispostos a lutar do que previam muitos na direita israelense. Há duas semanas, o jornal Haaretz informou que a proporção de judeus na população combinada de Israel, Cisjordânia e Faixa de Gaza caiu para menos de 50% pela primeira vez. Para muitos israelenses, isso significa que, a menos que abram mão de território, eles terão de escolher entre um Estado judeu e um Estado democrático; não poderão ter ambos.

Embora todos reconheçam que a imigração judaica nunca atingiu os níveis previstos e a população palestina se multiplicou, a questão da influência da violência palestina na decisão de Sharon em favor da retirada motiva discussões acaloradas. Alguns argumentam que os dois levantes palestinos, de 1987 a 1993 e de 2000 até hoje, expulsaram Israel. Outros dizem que as medidas antiterror israelenses cada vez mais efetivas - a construção de uma barreira, o assassinato de líderes terroristas e a reocupação militar de algumas cidades palestinas - subjugaram os insurgentes, dando a Israel a sensação de poder necessária para se retirar. Na verdade, ambos os fatores parecem ter influído.

"É claro que o terror tem um papel no desengajamento", afirmou Michael Oren, do Instituto Shalem, grupo de pesquisa conservador de Jerusalém. "Ele nos convenceu de que não valia a pena segurar Gaza e nos acordou para o perigo demográfico. Foram necessárias duas intifadas para que uma maioria dos israelenses concluísse que Gaza não compensava."

Um funcionário de alto escalão de Israel que passou anos associado a líderes do partido conservador Likud disse que os israelenses por muito tempo desprezaram os palestinos como combatentes, mas isso mudou. "O fato de centenas deles estarem dispostos a se explodir é significativo", afirmou ele. "Antes, não lhes dávamos nenhum crédito. Somos a maior potência militar do Oriente Médio, mas perdemos 1.200 vidas nos últimos quatro anos. Finalmente Sharon e os outros líderes reconheceram que aquelas pessoas não desistiriam."

Alguns chegaram a uma conclusão similar muito antes. A esquerda israelense propôs durante anos a retirada de Gaza, e vários membros da própria direita consideravam a colonização do território inútil e contraproducente. Kimche lembrou que no início dos anos 90, quando o então primeiro-ministro Yitzhak Shamir, do Likud, disputava a eleição com o trabalhista Yitzhak Rabin, ouviu de vários conselheiros: "A menos que se retire de Gaza, você perderá essa eleição." Ele não promoveu a retirada; perdeu.

O próprio Rabin afirmou ter decidido negociar uma retirada com os palestinos quando percebeu como o serviço militar se tornara impopular em Gaza. "Ele disse em conversas privadas - eu estava presente - que os reservistas não queriam servir nos territórios ocupados e, embora não se recusassem formalmente, encontravam desculpas para ficar de fora", contou Yoel Esteron, editor-chefe do jornal Yediot Ahronot. "Isso representava uma forte pressão para o Exército e significava que não poderíamos ficar lá para sempre."

Saindo de Gaza, os israelenses ficam diante de decisões bem mais complexas sobre a Cisjordânia ocupada. A operação de retirada incluiu alguns assentamentos em áreas afastadas da Cisjordânia, mas ninguém sabe quanto território adicional Sharon e seus sucessores estarão dispostos a ceder. Está claro, contudo, que a lógica interna israelense dos últimos acontecimentos - um recuo da ambição face à realidade - pode levar a retiradas traumáticas de grandes números de colonos da Cisjordânia.