Título: Sem saber, brasileiro colabora com corrupção
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/08/2005, Nacional, p. A12

Algumas agências de remessas na Suíça são, na verdade, mecanismos eficientes de lavagem de dinheiro

GENEBRA - Sem tomar conhecimento, centenas de faxineiras, motoristas, garçons e outros trabalhadores brasileiros ilegais ou legais no exterior podem estar ajudando a criar condições para a corrupção no Brasil. A Justiça da Suíça revela ao Estado estar preocupada com um novo fenômeno que parece ser usado como o mecanismo mais eficiente de lavagem de dinheiro por brasileiros. Trata-se das agências da remessa de dinheiro de emigrantes brasileiros no exterior ao País. "Vemos que a abertura dessas lojas está virando uma febre e por isso estaremos de olho nessas empresas", afirmou um juiz suíço especializado no combate à lavagem de dinheiro, pedindo para não ser identificado. A lavagem ocorre, segundo os investigadores, com o dinheiro que é enviado ao País pelos brasileiros trabalhando no exterior para suas famílias, muitas dependentes desses recursos.

Segundo a investigação, o mecanismo funciona na base da compensação. Em um primeiro momento, alguém no Brasil que queira lavar dinheiro ou enviar dinheiro vindo de corrupção para fora do País abre uma agência especializada em remessas em uma cidade suíça. A casa de transferências opera normalmente, oferecendo serviço de remessa de dinheiro e funcionários que falam português. Muitas garantem que o dinheiro estará na conta da pessoa beneficiada em qualquer lugar do território brasileiro no mesmo dia do envio.

O problema é que esse dinheiro supostamente enviado da Suíça ao Brasil nunca deixa o país dos Alpes. Ele alimenta uma conta nos bancos suíços, enquanto o dinheiro que era fruto de corrupção no Brasil é distribuído aos vários destinatários à medida que os clientes na Suíça pedem para enviar dinheiro a suas famílias.

A "limpeza" do dinheiro pode levar um certo tempo, já que cada remessa feita pelos trabalhadores no exterior é de um valor baixo. Mas possibilita que, após alguns meses, o dono original do dinheiro se desfaça de seus recursos sujos e ganhe uma conta limpa e regularizada em Genebra ou Zurique com o valor que possuía no Brasil. As lojas na Suíça procuradas pelo Estado sequer receberam a reportagem. A Justiça suíça, porém, alerta que nem todas as empresas operam de maneira irregular.

Mas um ex-gerente de uma das agências admitiu que o esquema de lavagem de dinheiro existe em muitos casos. "A questão mais incrível é que o dono do dinheiro consegue promover sua lavagem e até lucrar, já que cobra comissões para realizar a remessa", afirmou o ex-funcionário, que também falou na condição do anonimato. Ele ainda confirma que, em muitos casos, as operações são realizadas com ajuda de doleiros.

Na realidade, o que esses agentes fazem é simplesmente entrar em um ramo de atividade cada vez mais demandado: o de remessas de divisas dos trabalhadores emigrantes. A maioria das empresas é usada principalmente pelos brasileiros que vivem de forma ilegal e não podem abrir contas nos bancos locais ou ser identificados pelas autoridades estrangeiras.

Ninguém se arrisca a dizer quantas são essas empresas, mas o fenômeno é observado não apenas na Suíça, mas também em Portugal, Inglaterra, Itália e Alemanha. O crescimento coincide com o aumento do volume de dinheiro enviado pelos 2 milhões de emigrantes brasileiros no exterior. Em 2003, o País recebeu US$ 5,3 bilhões em remessas, segundo o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Desse total, apenas US$ 2 bilhões entraram no País pelo sistema bancário.

A Suíça, quarto local de maior envio de dinheiro ao Brasil por emigrantes, é um caso típico de proliferação de empresas paralelas. Apesar de contar com 41 mil brasileiros, o país não dispõe de uma só agência de um banco brasileiro. A situação, segundo os investigadores, torna-se ideal para o surgimento de esquemas dessas empresas privadas de remessas.