Título: País lavou US$ 78 bilhões em 7 anos
Autor: Vannildo Mendes
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/08/2005, Nacional, p. A12

Valor, que abrange período de 1996 a 2003, vem de laudos de instituto da PF; última denúncia envolve Marcos Valério e o PT

BRASÍLIA - Laudos periciais do Instituto Nacional de Criminalística (INC), da Polícia Federal, revelam que a rede brasileira da lavagem de dinheiro movimentou US$ 78 bilhões entre 1996 e 2003. A cifra resulta do total de transações rastreadas na quebra de sigilo de instituições com envolvimento comprovado no esquema. Investigações da CPI dos Correios constataram que o empresário Marcos Valério de Souza, o ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares e o publicitário Duda Mendonça se serviram desse esquema para mandar recursos para fora do País e administrar uma parte significativa do caixa 2 do partido. Para desvendar a participação do esquema petista em lavagem de dinheiro, o governo brasileiro contactou na semana passada o Departamento de Justiça dos EUA e obteve a garantia de que as investigações terão total prioridade naquele País - por causa da repercussão política e da importância estratégica do caso para os dois lados. A informação foi dada ao Estado pela secretária nacional de Justiça, Cláudia Chagas, que programa uma ida aos EUA tão logo o Supremo Tribunal Federal (STF) aprove o pedido de bloqueio das contas da Dusseldorf, offshore aberta por Duda nas Bahamas e de rastreamento das contas das instituições financeiras que a abasteciam com recursos.

O contato, ainda em caráter preliminar, enquanto a autorização não vem, foi feito pelo Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), subordinado a Cláudia. "Eles nos asseguraram que o caso não ficará na fila burocrática dos canais diplomáticos e será atendido com agilidade", disse. Ela observou que essa cooperação já funcionou em outras ocasiões, inclusive nas investigações do escândalo Banestado. Como das outras vezes, o FBI (a polícia federal americana) vai participar das investigações.

Conforme apurou a PF, os Estados Unidos, sobretudo as cidades de Miami e Nova York, têm sido utilizados nos últimos anos como a grande lavanderia do dinheiro de origem ilícita de brasileiros. O esquema envolve um conluio entre instituições financeiras dos dois países, empresas off shore abertas em paraísos fiscais, como Bahamas e Jersey e uma rede poderosa de doleiros. As principais instituições já mapeadas são o Banestado, o MTB Bank, a conta Beacon Hill, o Marchand Bank e o Banco Safra.

A conta das transações escusas deverá ser engordada com o rastreamento das movimentações externas do caixa 2 do PT, que já começou a ser feito informalmente, com a ajuda do governo americano e inclui estabelecimentos novos, como o Banco Rural Europa, o Florida Bank, o Israel Discount Bank e o BankBoston. O rastreamento, segundo informou Cláudia, vai começar pela offshore de Duda, a Dusseldorf, aberta para receber recursos do PT e pelas quatro principais contas que a alimentaram.

A secretária acredita que essas contas abasteceram também outros esquemas. "Não vamos perder o foco da investigação, mas num segundo momento, todos os demais recebedores de recursos serão investigados e processados se ficar comprovada a origem ilícita", afirmou. Em princípio, segundo a secretária, todos eles cometeram os crimes de sonegação fiscal, remessa ilegal de divisas e lavagem de dinheiro.

A preocupação seguinte é fazer o longo caminho de volta para repatriar o dinheiro. Algumas precauções estão sendo adotadas para impedir que os titulares das contas investigadas movimentem recursos no exterior, como ocorreu com o ex-prefeito Paulo Maluf. Enquanto corriam os trâmites para bloqueio de US$ 200 milhões depositados em seu nome na Suíça, Maluf movimentou US$ 110 milhões. Manobras semelhantes fizeram com que o Brasil só recuperasse um terço dos US$ 180 milhões desviados da Previdência Social pela fraudadora Jorgina de Freitas.

Hoje, o Brasil tem US$ 300 milhões bloqueados em contas no exterior, incluindo os US$ 90 milhões que restaram do ex-prefeito paulista. Estão também incluídos recursos desviados do TRT de São Paulo pelo juiz Nicolau dos Santos Neto e boa parte do dinheiro roubado pela máfia dos fiscais da Previdência, do Rio.

Essa fortuna, conforme a secretária, é apenas uma ínfima parte da pilhagem que os ladrões do colarinho branco têm promovido nos cofres públicos do Brasil. Mesmo assim, só será repatriada quando os processos judiciais tiverem transitado em julgado, o que demora muito. O dinheiro em nome de Maluf, desviado entre 1997 e 2000, só agora está em condições de ser repatriado, com o julgamento de primeira instância. Mesmo assim ainda cabe recurso a tribunais superiores.

Além dos EUA, país com o qual o Brasil tem tratado de cooperação jurídica, será pedida colaboração das autoridades das Bahamas, das Ilhas Cayman e das Ilhas Jersey, com os quais os acordos estão em fase de negociação. "Quando abrir (o sigilo das contas e empresas), não vamos encontrar apenas Duda e Valério. Por essa rede de doleiros pode passar qualquer coisa", explicou Cláudia.