Título: Custos da crise
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Fonte: O Estado de São Paulo, 22/08/2005, Notas e Informações, p. A3

O custo econômico da crise continua a ser lançado nas contas do governo e será pago, em primeiro lugar, pelos contribuintes. O aumento previsto de cerca de R$ 10 bilhões na folha de salários dos servidores federais, no próximo ano, é parte desse custo. Com esse acréscimo, a folha deverá chegar a R$ 108 bilhões, segundo os primeiros cálculos. Acuado e sem liderança, o governo tem sido incapaz de vencer as pressões por maiores gastos. Tem capitulado, invariavelmente, depois de uma resistência mal coordenada, e por isso fraca, como ocorreu no caso da greve dos funcionários do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). As pressões têm partido não só do funcionalismo, mas também de grupos de interesse privado e de políticos dispostos a tirar proveito da fraqueza do Executivo. Ainda não terminou a batalha da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que poderá terminar com novas perdas para o Tesouro nacional.

No caso dos salários, o episódio do INSS é apenas o mais recente de uma série de embates em que a política de austeridade fiscal foi derrotada. O governo cedeu não só aos servidores do sistema previdenciário, aceitando até mesmo pagar pelos 76 dias de greve, mas também aos militares e ao movimento que resultou na elevação do teto salarial de todo o funcionalismo federal.

A resistência dos ministros da Fazenda, Antonio Palocci, e do Planejamento, Paulo Bernardo, tem sido minada pela ação de seus colegas do Executivo e pela inoperância do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mais empenhado em viajar pelo País em busca de apoio do eleitorado sensível ao discurso populista do que em governar.

Enquanto isso, o governo se arrisca a perder o que tem sido até agora seu principal suporte, a bandeira da austeridade fiscal. Não adianta um par de ministros continuar defendendo essa bandeira enquanto o resto do governo debanda ou passa a defender políticas opostas. Foi o que ocorreu quando o ministro da Defesa e vice-presidente, José Alencar, convenceu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a conceder aos militares um reajuste salarial de 23%, enquanto os ministros da área econômica defendiam 13%.

Foi o que ocorreu também quando os ministros do Trabalho, Luiz Marinho, e da Previdência, Nelson Machado, acataram as pretensões dos grevistas do INSS, contra a opinião de seu colega do Planejamento, e concordaram com o pagamento dos dias de greve, como se algumas horas extras bastassem para compensar os danos causados pela paralisação.

O contribuinte brasileiro também terá de suportar, em 2006 e nos anos seguintes, as conseqüências da elevação do teto salarial do funcionalismo. Essa elevação é o desdobramento do reajuste reivindicado pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). O teto passou de R$ 19.115 para R$ 21.500 neste ano e será elevado para R$ 24.500 em 2006.

O aumento do teto abre espaço não só para aumentos salariais na administração federal, mas também para reajustes aos funcionários de Estados e de municípios. Embora nenhum governo seja obrigado a pagar os salários máximos permitidos por lei, os servidores tendem a mobilizar-se para que isso ocorra e o custo administrativo e político da resistência pode ser considerável.

Na batalha da LDO, a bancada ruralista já conseguiu dos ministros econômicos a promessa de um reescalonamento de três parcelas da dívida com vencimento neste ano. Foi a condição para que o projeto fosse votado na Comissão Mista de Orçamento. Mas essa bancada também luta por uma ampla renegociação dos débitos em 2006.

Enquanto isso, parlamentares defendem também uma cláusula que torne obrigatória a liberação de verbas para toda emenda incluída no orçamento de 2006. Se essa cláusula for mantida, a gestão orçamentária no próximo ano será muito dificultada.

Tudo isso ocorre no momento em que uma grave crise política se mistura com os primeiros movimentos de preparação das campanhas eleitorais de 2006. A estabilidade econômica do Brasil, ainda não comprometida pela turbulência política, depende em alto grau da capacidade do governo de manter a austeridade e a solvência do Tesouro. Se o cerco ao governo afetar essas condições, o custo para o País poderá ir muito além de um desarranjo orçamentário.