Título: A Camex está atenta
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/08/2005, Notas e Informaçoes, p. A3

A o tornar mais caras as importações de calçados e impor uma tarifa de US$ 0,15 por quilo de pneu de bicicleta comprado da China, a Câmara de Comércio Exterior (Camex) deu um sinal de que, enquanto aguarda o início de negociações formais com o governo de Pequim a respeito da aplicação de salvaguardas comerciais, agirá na defesa dos interesses do País sempre que considerar necessário. Os sete ministros que compõem a Camex aprovaram a elevação, de 20% para 35%, da tarifa de importação de quatro tipos de calçados, cujas compras têm crescido mais do que as demais do setor. São sapatos com sola de borracha ou plástico, tênis para esportes e dois tipos de calçado de couro natural. A medida vinha sendo reivindicada por fabricantes brasileiros, que reclamavam do crescimento rápido das importações de calçados chineses. De acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Calçados, nos cinco primeiros meses deste ano, o Brasil importou 6 milhões de pares de calçados da China, o quádruplo do total importado em igual período de 2004. A proteção vigorará até o fim do ano.

Quanto aos pneus para bicicletas, o Brasil importou, em 2004, 1.276 toneladas, 60% das quais vieram da China. Neste ano, já se registrou a importação de 960 toneladas. A cobrança de US$ 0,15 por quilo do produto chinês que ingressar no País deverá reduzir o ritmo de importação daqui para frente.

Em junho, a Camex decidiu que, sem renunciar ao direito de aplicar medidas de defesa de setores da economia brasileira ameaçados pelo crescimento das importações de produtos chineses, o Brasil procurará o caminho do entendimento com o governo de Pequim antes da adoção de salvaguardas. A regulamentação da decisão ainda depende da edição de dois decretos que se encontram em exame na Casa Civil.

Pouco depois da decisão da Camex, o governo chinês enviou carta ao brasileiro propondo o início de um diálogo com o objetivo de se chegar a uma espécie de acordo como o estabelecido com a União Européia, e pelo qual reduziria voluntariamente as exportações de produtos que prejudiquem a produção local. O diálogo só deverá começar no próximo mês, quando o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, viajará para Pequim. O que o Brasil deseja é que, como ocorreu no caso do entendimento com a União Européia, a China limite suas exportações sempre que estas prejudicarem a produção doméstica.

O aumento da alíquota da importação de calçados exigiu algumas mudanças na lista de exceções da Tarifa Externa Comum (TEC) que deve ser aplicada por todos os países do Mercosul a produtos de fora e caracteriza, pelo menos teoricamente, o bloco como uma união aduaneira. Da lista de 100 itens que possuem tarifas diferenciadas, o Brasil pode retirar ou incluir 20. A revisão é feita a cada seis meses e, desta vez, o governo decidiu incluir os quatro tipos de calçados, excluindo outros produtos da lista. Desse modo, não se caracteriza novo furo na TEC, a qual, é importante lembrar, vem sendo furada há tempos em vários casos.

A defesa dos interesses comerciais do País, respeitadas as regras internacionais, deve ser preocupação constante das autoridades. Elas precisam estar atentas e agir com presteza para evitar danos à economia brasileira, como parecem ter agido no caso dos calçados e dos pneus para bicicletas. No entanto, é imprescindível que, em suas decisões, saibam distinguir o interesse particular de uma determinada empresa ou de um grupo de fabricantes do real interesse do País.

A Camex está prestes a tomar uma decisão que exigirá a observação dessa distinção. Ela diz respeito a uma disputa entre fabricantes e compradores de garrafas PET, nas quais são vendidos produtos como refrigerantes e água mineral. Uma fabricante nacional moveu uma ação antidumping contra os dois principais fornecedores externos da resina PET - a Argentina e os Estados Unidos.

Os fabricantes de refrigerantes alegam que, se forem impostas barreiras às importações, como quer a produtora nacional de garrafas, os preços de seu produto poderão subir até 6% para o consumidor; no caso da água mineral, a alta pode chegar a 10%. Nesta questão, a defesa de um segmento da indústria pode ter efeitos não desejados.