Título: A chance perdida
Autor: Alcides Amaral
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/08/2005, Espaço Aberto, p. A2

Difícil acreditar que o PT esteja perdendo a chance de passar para a História como sendo o seu governo, o governo Lula, o que colocou o País definitivamente no caminho do crescimento sustentado. Ao contrário, em razão da crise política instalada no País, o PT está conseguindo a proeza de passar para a História como o governo em que a corrupção bateu todos os recordes, conseguindo até mesmo suplantar a "era Collor". Para melhor entendimento desse aparente paradoxo é importante relembrarmos um pouco do que aconteceu nas últimas três décadas e o que está acontecendo no mundo atualmente.

Depois da década de 70 - a do "milagre brasileiro", em que o País cresceu de forma significativa -, entramos num período obscuro, em face dos nossos graves problemas internos, além do cenário internacional, que não ajudava. Na década de 80, atropelados por problemas com nossa dívida externa e inflação galopante, várias tentativas frustradas foram realizadas. Os Planos Cruzado, Bresser e Verão trouxeram alívio de curtíssimo prazo, mas com deterioração importante da nossa economia no momento seguinte.

A década de 90 se iniciou com os Planos Collor 1 e 2, que terminaram melancolicamente com o impeachment do presidente Fernando Collor de Mello. O País, em moratória, quebrado pelo peso da dívida externa e sem credibilidade local e internacional.

Finalmente, com o Plano Real, em 1994, o Brasil começou a tomar rumo um pouco melhor, equacionando seu problema, até então insolúvel, da dívida externa e voltando a atrair crédito e investimentos internacionais. A privatização foi introduzida no País, a inflação foi domada, mas, por causa de sucessivas crises internacionais, nossa economia não cresceu tanto quanto o esperado. Em 1995 tivemos a crise mexicana; em 1997, a crise do Sudeste Asiático; e em 1998, a crise russa - todas elas nos atingindo fortemente, pois nossos fundamentos ainda eram deficientes. Não fosse o suporte financeiro do Fundo Monetário Internacional (FMI), teríamos quebrado novamente em 1998, quando, em alguns meses, perdemos cerca de US$ 40 bilhões das nossas reservas internacionais. Em 1999 chegou a nossa vez de ser o centro da crise, quando o real, até então engessado por uma política cambial errônea, começou a flutuar. Graças à nova realidade cambial, as coisas começaram a ajustar-se ao longo do ano, sem os traumas imaginados. Anos dif íceis para o ex-presidente Fernando Hernando Cardoso, pois problemas externos, aliados a algumas fragilidades internas, deixaram o crescimento da economia a desejar.

Depois do ano conturbado das eleições de 2002, o governo Lula tomou posse em 2003 e, enquanto dava continuidade à política econômica do Plano Real, via o cenário internacional evoluir de forma bastante positiva. As crises cessaram, o mundo começou a crescer com maior intensidade e nós acompanhamos esse progresso. Embora com desempenho sempre inferior à média dos países emergentes, o fato é que, devido à evolução da nossa área agrícola e das exportações, o crescimento da nossa economia (4,9% em 2004) passou a ser bastante significativo, se compararmos com nosso passado de mais de 20 anos. E este ano, em razão da alta carga tributária, que inibe os investimentos, e da política monetária extremamente austera, estamos crescendo, mais uma vez, menos do que o mundo emergente, mas, ainda assim, nosso PIB deverá evoluir entre 3% e 3,5%. Como se vê, tínhamos tudo para dar a arrancada para o crescimento sustentado: com a economia internacional em expansão, isso dependia apenas de nós mesmos.

Infelizmente, devido a um "projeto de poder", em vez de um "projeto de governo", o PT está querendo pôr tudo a perder. O partido, cuja palavra de ordem, quando oposição, era a ética, mostrou que, quando governo, a história é bem diferente. A ética foi simplesmente ignorada. De acordo com as denúncias que surgem a cada novo dia, a corrupção via "caixa 2", "mensalão", etc., correu solta, atingindo o partido, a classe política instalada em Brasília e chegando bem perto do presidente da República. Segundo o atual presidente do PT, Tarso Genro, o partido funcionava como espécie de "ministério sem pasta", tais as suas ligações, formais e informais, com o Planalto. O que levou o ex-governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho a afirmar: "Não sou idiota de acreditar que o presidente não sabia o que estava acontecendo."

Embora a dúvida permaneça na cabeça de alguns, a verdade é que nada foi provado contra o presidente Lula. Em pronunciamento recente à Nação, o chefe do governo afirmou: "Fui traído." E pediu desculpas, em seu nome e no de seu partido, pelos erros cometidos. Isso, no entanto, pouco ajuda, pois sua popularidade já foi abalada, conforme demonstrou a pesquisa DataFolha de 10 de agosto. A média da avaliação do desempenho do seu governo (5,6%) é a mais baixa desde que tomou posse. E, o que é pior, numa eventual tentativa de reeleição, perderia, pela primeira vez, para o prefeito José Serra no segundo turno (48% contra 39% dos votos válidos).

Como se vê, a decepção que o PT está sendo para todos nós já afetou o seu líder máximo, o presidente Lula, e a imagem do nosso país. Notícias de corrupção no Congresso já foram estampadas nos principais jornais do mundo, o Brasil virou notícia pelos problemas éticos da classe política.

Tudo o que nos resta agora é aguardar o ano terminar e, como resultado das diversas CPIs instaladas, a eliminação da vida pública dos maus políticos, aqueles que trocaram seus ideais por dinheiro. E, com o País mais saneado, chegaremos às eleições de 2006 sabendo um pouco melhor em que terreno estamos pisando.