Título: Basta de escândalos
Autor: Jarbas Passarinho
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/08/2005, Espaço Aberto, p. A2

No Exército, a que servi por vocação por 29 anos - e do que muito me honro -, costumava-se dizer a alguém que não convencia ao defender-se de uma falta pessoal: "Explica, mas não justifica." A fala do presidente Lula, dirigida à platéia cativa de seus ministros e indiretamente ao povo, não me convenceu. Afinal, tínhamos um parlamentarismo de fato? O presidente da República era o chefe de Estado, papel comum aos presidentes no sistema de governo parlamentarista, e o seu ministro predileto, o "querido Zé", o chefe de governo? Sofreu metamorfose o líder de viés autocrático do "centralismo democrático", à Lenin, transformado num presidente pro forma, comparável vulgarmente à rainha de Inglaterra? E mais: que a Casa Civil, centro de todas as decisões do governo, delas não desse o ministro ao presidente a menor ciência? Mas repetidas vezes não disse Dirceu: "Tudo o que eu fazia era do conhecimento do Lula"? Ao terminar de ouvi-lo, repeti o que aprendera no quartel: explica, mas não justifica. Tarso Genro, interino na presidência do PT, pretende refundar o partido, visando a reabilitá-lo. O óbice é precisamente Dirceu, que já rejeitou duas propostas moralizadoras de Tarso. Em entrevista ao Estadão, Tarso disse que Dirceu devia considerar sua exclusão da chapa do Campo Majoritário como gesto político de quem reconhece que a antiga maioria se esgotou e é preciso um novo núcleo dirigente. O apelo foi rejeitado, o que sugere a intenção de Dirceu de concorrer à Executiva Nacional, obter maioria e inviabilizar o objetivo de Tarso de refundar o PT, mudando seu programa. Voltaria a direção aos que usam meios antiéticos.

Atribui-se erroneamente a Marx ter dito que os meios justificam os fins. Mais perto estaria Maquiavel, para quem a política (a arte de adaptar os meios aos fins), uma "necessidade intrínseca à natureza humana", não pode ser julgada em comparação com a moral (um âmbito de fins). Como a política não é o reino dos bons sentimentos, nela valeriam todos os meios fraudulentos praticados para manter o PT no poder por muitas décadas. Só que Lula não foi eleito apenas pelos votos petistas, pois ganhou a adesão de milhões de não-petistas que acreditaram na bandeira da ética e na mudança do comportamento oportunista e habitual de políticos inescrupulosos. A isso apelidavam de pragmatismo, nome que mexe na sepultura os ossos de John Dewey, que popularizou o conceito filosófico de pragmatismo.

As eleições de setembro nos dirão se o PT quer ou não refundar-se. Se Tarso vencer, ainda assim a História sugere ser improvável a pronta reabilitação de um partido que, em curto tempo no poder, destruiu sua pretensa imagem ética e se comprometeu profundamente com a corrupção. Agrava-o o peso dos crimes reconhecidos pelos petistas decentes. Se não vencer, pobres dos petistas indignados e movidos por ideal. Em desabafo melancólico, Fábio Konder Comparato exclamou: "O PT enganou todo mundo!" Revoltado, César Benjamim, petista histórico, disse que "sob a liderança de Lula se formou a pior geração de militantes da esquerda brasileira de toda a sua História: pragmática, oportunista, individualista, carreirista".

Basta de escândalos em sucessão escabrosa. O PT, hoje, é não só aquele "partido da boquinha", assim chamado por Anthony Garotinho, porque tinha fome de cargos no governo dele, que fora aliado. A crítica pode ter tido influência no mau desempenho do PT, em 2004, no Rio de Janeiro. Agora, é a Nação inteira que se enoja a cada revelação de propina, como regra, a extorsão negociada, a fraude de licitações, os dólares na cueca, reais do mensalão nas maletas, as contas clandestinas nos paraísos fiscais, de onde retornam milhões ilegalmente, os brindes "generosos" do tipo Land Rover e figuras como Delúbio e Marcos Valério - aquele, petista de carteirinha e este, uma lobista passando por publicista que mais ganhava quanto mais dava em troca, tudo num governo "que não rouba e não deixa roubar".

No teatro dramático grego, a catástase constitui a parte final, quando as peripécias se adensam e os fatos constituem a catástrofe. Ao que parece, a tragédia petista já chegou à catástrofe e, como se ainda insuficiente para ultimar o drama, eis que um novo personagem aparece, na figura do advogado Rogério Buratti. Inicialmente, assessor dos deputados federais Dirceu, João Paulo Cunha e Antonio Palocci. Eleito prefeito de Ribeirão Preto, Palocci dele fez secretário. Buratti tem um currículo pleno de crimes vários, desde lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e cobrança de propina de empreiteiros, pelo que foi exonerado do cargo que exercia na prefeitura. Depondo no Ministério Público, denunciou, para beneficiar-se da delação premiada, entre outras pessoas, o ministro Palocci, como cliente do mensalão já quando prefeito de Ribeirão Preto.

Assim como rejeito denuncismo, também não desqualifico testemunhas, por mais repugnantes que sejam. Ainda que não tragam provas, trazem pistas a serem examinadas. O ministro defendeu-se veementemente, exemplo único no PT de enfrentar de pronto as perguntas da imprensa, voluntariamente. Cabe aguardar o resultado final. Não faço julgamento precipitado. Dou, por exemplo, o benefício da dúvida a José Genoino, de quem não vi, até agora, nenhum indício de comprometimento com o lodaçal que afunda o PT. Quando dirigi a CPI do Orçamento (a dos anões), levou-me um filho, pré-adolescente, para que o menino me conhecesse e apertasse a mão do adversário político que dizia admirar. Guardo o gesto e confio que seu filho não tenha de que se envergonhar dele.