Título: O exemplo de Palocci
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Fonte: O Estado de São Paulo, 23/08/2005, Notas e Informações, p. A3

O ministro Antonio Palocci não tentou, na longa entrevista que concedeu à imprensa no domingo, empurrar para baixo do tapete as acusações que lhe foram feitas pelo advogado Rogério Buratti. Sua principal preocupação foi a de manter a confiança do mercado na política econômica. E a resposta não tardou: ontem, os mercados de ações e câmbio, que haviam reagido espasmodicamente na sexta-feira - quando um promotor de Ribeirão Preto divulgou, precipitada e irresponsavelmente, trechos do depoimento de Buratti -, funcionaram em clima de euforia. Não poderia haver melhor demonstração de que a franqueza com que o ministro Antonio Palocci enfrentou as acusações e respondeu aos repórteres na entrevista coletiva era a forma correta de tratar de um aspecto da crise que, se não fosse devidamente circunscrito, poderia tumultuar a economia. O comportamento de Palocci foi exemplar. Começou por deixar o presidente Lula inteiramente à vontade para decidir se o melhor para o País, nas circunstâncias, era a sua demissão, o seu afastamento temporário ou a sua permanência no Ministério da Fazenda. Decidido que ficaria, Palocci convocou a imprensa e deu as explicações que o caso exigia.

Demonstrou, com sua atitude, uma habilidade e, sobretudo, uma responsabilidade política que seus companheiros de partido - acusados de fazer parte de uma sórdida empreitada para arrecadar fundos de campanha e comprar a aliança de outros partidos - não tiveram. Não jogou responsabilidades sobre ombros alheios. Em sua defesa, apresentou fatos e argumentos. E, ao contrário do ex-chefe da Casa Civil José Dirceu, não se colocou acima do bem e do mal. Ao contrário, repetiu e insistiu que não está acima de questionamentos e da lei e que atenderá a qualquer solicitação dos órgãos que investigam o escândalo.

O ministro da Fazenda, que sempre demonstrou ser mais competente, na administração dos negócios públicos, que seus colegas de partido, mostrou ser, também, politicamente mais competente que eles. Não recorreu à "choradeira" de Lula, que dois dias antes se declarara "injustiçado e perseguido". Também não caiu na esparrela insustentável do "querem acabar com o meu governo". Em vez disso, reconheceu que os escândalos de corrupção tiveram origem no partido e no governo.

Palocci também se distanciou anos-luz do estilo do presidente Lula, que não se cansa de repetir que as coisas boas que este País tem tiveram início no dia 1.º de janeiro de 2003 e não perde ocasião de desancar seu antecessor. O ministro da Fazenda reconheceu, lhanamente, que a economia não teria tão bons fundamentos, hoje, se não fossem medidas decisivas adotadas nos governos Sarney, Itamar e Fernando Henrique.

As investigações sobre as denúncias de envolvimento do ministro Antonio Palocci na corrupção endêmica promovida pela direção nacional do PT - primeiro nas prefeituras que o partido conquistou, entre elas, a de Ribeirão Preto, e depois em nível federal - não param, entretanto, com as explicações que deu durante a entrevista coletiva de domingo. Ele certamente será chamado a prestar novos esclarecimentos, especialmente sobre os contratos da prefeitura de Ribeirão Preto com a Leão e Leão Ltda., nas CPIs e nos inquéritos que correm na Polícia Federal e no Ministério Público.

Por enquanto, porém, a maior ameaça à calma restabelecida vem de dentro do governo. Esse o sentido de uma advertência do ministro, que vale mais para o presidente da República do que para o mercado financeiro: enfraquecer a política econômica "seria um grande engano, um engano do tamanho do Brasil".

É bom o presidente Luiz Inácio Lula da Silva levar muito a sério essa advertência. Com ou sem Palocci, a segurança da economia e, portanto, de seu governo depende em primeiro lugar da manutenção dos padrões seguidos até agora.

Não só entre os aliados, mas também, e principalmente, entre os ministros petistas do governo, há pressões para o afrouxamento da política. As denúncias contra o ministro da Fazenda podem servir como sinal para a intensificação desse movimento.

Por enquanto, fortalecido com a reação favorável à sua entrevista, Palocci não terá dificuldade para convencer o presidente a não dar ouvidos a esses ministros. Mas as investigações sobre sua gestão na prefeitura de Ribeirão Preto apenas começaram.