Título: Dirceu diz que é vítima de 'processo político' e vai recorrer até ao STF
Autor: Luciana Nunes Leal
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/08/2005, Nacional, p. A9

BRASÍLIA - Em 22 páginas de defesa, encaminhada ontem ao Conselho de Ética da Câmara, o ex-ministro e deputado José Dirceu (PT-SP) denunciou ser vítima de um processo político e correr o risco de perder o mandato "não pelo que fez, mas pelo que representa". Dirceu adiantou que está disposto a recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar arquivar o processo por falta de decoro parlamentar, aberto a pedido do PTB. O ex-ministro faz duros ataques a seu principal acusador, o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ). Para ele, o petebista tem "comprovada prática de corrupção", "mente doentia" e "estratégia mirabolante" para desviar o rumo das investigações. Jefferson também responde a processo no Conselho.

Dirceu é acusado pelo partido de Jefferson de, em conluio com o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, ter determinado que o empresário mineiro Marcos Valério Fernandes de Souza tomasse empréstimos bancários para levantar recursos para o pagamento do mensalão - suposta mesada do governo para deputados aliados. Ele negou a denúncia e acrescentou que em 2003 não tinha participação nas decisões partidárias, pois era chefe da Casa Civil.

O argumento de Dirceu para escapar da investigação é justamente o fato de que não exercia o cargo de deputado quando as supostas ilegalidades foram cometidas. "Vamos aguardar e, dependendo da decisão, a gente pode ir ao Supremo, diz que (o processo) não pode prosseguir. É uma medida de legalidade", disse o advogado de Dirceu, José Luis Oliveira Lima.

DÍVIDAS

Dirceu sustenta a tese de Delúbio, de que os empréstimos nos banco Rural e BMG foram tomados pelo partido para pagar dívidas da campanha de 2002 e reconhece que, na Casa Civil, teve reuniões com representantes dos dois bancos, mas assegura que jamais tratou de assuntos partidários. Diz ter sabido "genericamente" sobre as dificuldades financeiras do PT em 2003 e rejeita qualquer responsabilidade sobre empréstimos.

No quinto dos seis itens da defesa, intitulado "Um desabafo e uma preocupação", Dirceu se diz orgulhoso de sua própria história e fala da possibilidade de cassação. "Sai o deputado, fica o precedente. E amanhã a solução pode ser novamente aplicada. A maioria pode resolver punir um líder da minoria sem prova firme e cabal de ele haver faltado com o decoro, mas apenas para afastar o desafeto do palco político." E indaga: "Será isso bom para a Casa? O processo democrático, que já custou tanto sangue, estará sendo preservado?"

Dirceu destaca suposta incompetência do Conselho de Ética para julgá-lo e centra sua defesa, assinada por ele próprio e pelo advogado, na "inépcia" da representação e na "acusação delirante" do PTB. Dirceu considera "público e notório que não se ocupou da parte financeira da campanha eleitoral de 2002", pois era coordenador político da campanha.

TESTEMUNHAS

O deputado apresenta como testemunhas de defesa o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, os ex-ministros e hoje deputados Aldo Rebelo (PC do B-SP), Eduardo Campos (PSB-PE) e Arlindo Chinaglia (PT-SP), e também o escritor Fernando Morais, amigo de Dirceu há muitos anos.

Do lado da acusação, as testemunhas arroladas são Marcos Valério, que confessou ter montado, com Delúbio, um esquema de caixa 2 para pagar dívidas do PT e dos partidos aliados; a mulher dele, Renilda, e os controladores do Banco Rural, Kátia Rabelo, e do BMG, Flávio Guimarães. A representação do PTB é centrada nos depoimentos prestados por Valério e Renilda à CPI dos Correios.