Título: Suspeita: polícia apagou fita do metrô
Autor: João Caminoto
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/08/2005, Internacional, p. A15

LONDRES - Enquanto os dois emissários do governo brasileiro iniciavam em Londres uma série de reuniões para coletar informações sobre a morte de Jean Charles de Menezes, a imprensa britânica apresentava ontem novas revelações constrangedoras para a Polícia Metropolitana, mais conhecida como Scotland Yard. O jornal Evening Standard informou que as câmeras de vídeo de segurança da estação de metrô de Stockwell, onde Jean foi morto com sete tiros na cabeça no dia 22 de julho, estavam funcionando normalmente no momento do incidente. Anteriormente, a polícia havia dito à comissão independente que investiga o caso (IPCC, na sigla em inglês) que não havia imagens do que ocorrera na plataforma da estação, pois as quatro câmeras do local estavam quebradas.

Segundo o jornal, fontes do consórcio privado que gerencia a estação de Stockwell, a Tube Line, garantem que a polícia recolheu as fitas de vídeo logo após o incidente e as devolveu aos funcionários do metrô, alegando que elas estavam em branco. "Elas não são úteis para nós. Estão vazias", teriam dito os policiais ao devolver as fitas.

O livro de ocorrências de problemas técnicos na estação não relata nenhum problema com as câmeras no dia 22 de julho. Há uma câmera instalada em cada um dos dois extremos da plataforma. As outras duas estão no centro. "Uma câmera pode dar problema, mas os funcionários (do metrô) não conseguem entender como nenhuma das quatro estava funcionado", disse uma fonte do metrô.

Segundo os jornais, os funcionários da estação ficaram irritados com a versão policial, sentindo-se responsabilizados pela falta de imagens.

Embora os vídeos provavelmente não mostrassem o exato momento em que os policiais alvejaram Jean - isso ocorreu dentro do vagão -, poderiam mostrar qual foi o comportamento do brasileiro e a posição dos policiais nos momentos que antecederam o incidente.

A polêmica em torno das câmeras alimentou as dúvidas sobre a permanência do comandante da Scotland Yard, Ian Blair, no cargo. Pesquisa da BBC com seus telespectadores diz que 45% acham que ele deve se demitir; 55% o apóiam.

Apesar de ter recebido o apoio de várias autoridades, entre elas do primeiro-ministro Tony Blair, o policial mais graduado da polícia britânica também está sendo duramente criticado por ter autorizado que um representante da Scotland Yard apresentasse uma proposta de indenização ex gratia (voluntária e que não implica admissão de responsabilidade pelo crime) de US$ 27 mil aos pais de Jean no Brasil.

Embora a proposta não impeça nenhuma futura ação legal, ela provocou irritação na família, nos advogados e no governo brasileiro. O vice-primeiro-ministro britânico, John Prescott, apesar de apoiar o chefe da polícia, disse que a oferta policial "não parece uma maneira sensível de se lidar com um assunto tão difícil". Além disso, a declaração de Ian de que ele soube que o morto era inocente somente 24 horas após o incidente foi recebida com ceticismo por analistas especializados em segurança. Fontes governamentais acreditam que a possibilidade de abertura de um inquérito judicial público se tornou mais forte diante dessa série de eventos que sucederam a morte do brasileiro .

EMISSÁRIOS DE BRASÍLIA

Os dois enviados especiais pelo governo brasileiro, o subprocurador-geral da República, Wagner Gonçalves, e o representante do Ministério da Justiça, Márcio Garcia se reuniram ontem com o vice-comissário assistente da Scotland Yard, John Yates, que visitou a família de Jean no município mineiro de Gonzaga. Amanhã eles vão se encontrar com representantes da IPCC, além de manter contatos com as advogadas da família da vítima.

Um dos objetivos da viagem, segundo uma nota divulgada pela embaixada brasileira, é conhecer as circunstâncias que resultaram na morte de Jean.

Além disso, eles pretendem verificar a legislação britânica aplicável ao caso, abrir um canal de comunicação com autoridades jurídicas e técnicas responsáveis e conhecer os próximos passos da investigação.

A presença dos emissários brasileiros em Londres está atraindo grande atenção na imprensa britânica, com alguns jornais falando num "incidente diplomático"entre os dois países. Emissoras de televisão britânicas enviaram repórteres ao Brasil para entrevistar os parentes de Jean e averiguar qual a reação da opinião pública diante do comportamento da Scotland Yard.

Cerca de 200 pessoas participaram de uma vigília em apoio à família de Jean diante de Downing Street, residência do primeiro-ministro. Alessandro Alves Pereira, primo de Jean, encaminhou ao chefe de governo uma carta pedindo a abertura de inquérito judicial público sobre o caso.