Título: Fosso entre ricos e pobres está aumentando, alerta a OMS
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/08/2005, Vida&, p. A17

GENEBRA - A Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta que os dados do suposto avanço nas condições de saúde no Brasil e outros países latino-americanos podem estar escondendo uma realidade trágica: o abandono de certas camadas da população e uma crescente diferença entre o tratamento recebido em diferentes regiões dos países. Em relatório divulgado ontem em Genebra, a agência de saúde da ONU alerta que muitos países em desenvolvimento não conseguirão atingir as metas estabelecidas pelas Nações Unidas para reduzir os problemas de saúde até 2015. Mas o que mais assusta a OMS é que, em muitos casos, a diferença entre as economias pobres e ricas está aumentando, assim como a que existe dentro dos próprios países. Os objetivos foram estabelecidos em 2000 e ficaram conhecidos como Metas do Milênio, colocando obrigações sociais para os governos até 2015. No próximo mês, a ONU volta a reunir os chefes de Estado de todo o mundo para debater como pôr em andamento essas metas nos próximos dez anos. No campo da saúde, elas estabelecem a redução da mortalidade infantil em dois terços em 2015, tomando como base a realidade em 1990, e em 75% a da mortalidade materna, além de garantir diminuição na contaminação de pessoas por aids, malária ou tuberculose. O acesso à água potável também está entre os objetivos.

Se essas metas fossem atingidas, a OMS estipula que poderia salvar pelo menos parte das 11 milhões de crianças que todo ano morrem de doenças que poderiam ser evitadas. Mas o problema é que, diante dos obstáculos, a agência já alerta que muitas dessas metas não conseguirão ser cumpridas pela maioria dos países em desenvolvimento, se não houver uma mudança radical nas políticas nacionais.

No caso da mortalidade infantil, o mundo conseguiu reduzir de 105 mortes por mil crianças para 88 mortes entre 1990 e 2003, um resultado insuficiente. Quanto à mortalidade materna, a média mundial é de 400 vítimas por 100 mil partos realizados.

O acesso à água potável continua um desafio e a OMS prevê que os africanos não conseguirão atingir a meta em 2015 de garantir maior distribuição. Hoje, 58% da população do continente conta com água potável. No total, 1,1 bilhão de pessoas no mundo vive essa situação.

A fome é outro ponto que dificilmente será reduzido às taxas esperadas pela ONU. A falta de alimentos atinge 815 milhões de pessoas, número que, em vez de diminuir, vem crescendo na Ásia e África.

DISPARIDADE

No caso da América Latina, a OMS admite que a região vive uma situação aparentemente mais confortável.

No caso da fome, os países conseguiram fazer que o número de pessoas sem comida caísse 7% nos últimos 13 anos. Quanto à mortalidade infantil, a queda foi de 54 vítimas para cada mil em 1990 para 32 em 2003. O acesso à água potável passou de 83% da população para 89% nesse período.

O problema é que, na América Latina, esses números podem estar sendo "enganosos", segundo a OMS.

"Diante das enormes diferenças sociais que existem nesses países, a redução de mortalidade ou o melhor acesso a alimentos tende a não ocorrer entre a população mais carente. Isso pode causar uma situação inusitada: o Brasil e outros países afirmando que atingiram as metas em 2015, mas na realidade criaram um fosso ainda maior entre a população mais miserável e o restante", afirmou Andrew Cassels, diretor da OMS para Politicas de Desenvolvimento.

Um exemplo dessa disparidade seria entre as regiões urbanas e rurais na América Latina. Nas cidades, o número de pessoas com acesso à água potável é de 84%, ante 44% na zona rural. "A mesma realidade podemos ver quando se trata de avanços na mortalidade infantil. O Brasil conseguiu reduzir em 40% as vítimas entre 1990 e 2003, mas esses avanços ocorreram em grande parte dos centros urbanos e não no interior do Nordeste ou entre as comunidades indígenas. A média nacional de avanços sociais não mostra toda a realidade e temos de nos preocupar muito com isso", afirmou Eugenio Villar, especialista da OMS para a região.

Para a OMS, uma das formas de garantir que as metas sejam atingidas seria assegurar maiores investimentos nos serviços nacionais de saúde, como em hospitais, recursos humanos e infra-estrutura. Segundo a entidade, seriam necessários entre US$ 30 e US$ 40 por pessoa para financiar um sistema de saúde adequado. Muitos governos, porém, investem apenas US$ 10 e, em alguns casos extremos, apenas US$ 2 por ano por pessoa.

No total, a ONU estima que o mundo precisa investir US$ 135 bilhões a partir do ano que vem para que todas as metas, incluindo a redução da pobreza, sejam atingidas em 2015.