Título: Filho de peixe
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/08/2005, Nacional, p. A6

Quem sai aos seus realmente não degenera. Luiz Inácio da Silva, na sexta-feira, e o PT, ontem, corroboraram o ditado. Ambos fizeram seus pedidos de desculpas à Nação à imagem e semelhança um do outro.

Tergiversaram, dissimularam, tangenciaram os fatos, maquiaram a realidade, contornaram a crise falando dela sem falar, pedindo escusas sem pedir. Atribuíram-se também, credenciais de referência de que não dispõem.

São autocentrados criador e criatura.

O PT pelo menos foi mais direto que o presidente, cujo "mea-culpa" limitou-se a uma referência à "culpa" genérica do partido e do governo e, ainda assim, usando o condicional do "se errou". Ele mesmo, Lula em si, continuou incluindo-se fora dessa.

Tudo na nota divulgada ontem é sombra, artifício e sofisma, a começar pelo nome de "resolução" sem nada ter resolvido.

Já na abertura, as "novas denúncias" são referidas como atinentes aos "financiamentos paralelos" de campanhas, ocorridos "sem o conhecimento de suas instâncias formais".

Isso a despeito de as investigações já terem ido muito além do ilícito eleitoral, demonstrando - como atestou o senador José Sarney em discurso anteontem - a existência de crime de corrupção, configurado no suborno de partidos para integrarem a base governista no Congresso.

O PT cria uma ficção quando diz que tudo se passou longe dos olhos das "instâncias formais", pois não há instância mais formal que o conjunto formado pela presidência, a secretaria-geral e a tesouraria de onde se afastaram três dos diretamente acusados.

No segundo parágrafo, a "resolução" informa que quando o partido tiver "um quadro completo das responsabilidades" elas serão, "amplamente divulgadas à sociedade brasileira".

Aqui o PT incorre no equívoco de imaginar que o "quadro de responsabilidades" dependa dele para ser "amplamente divulgado à sociedade", pois a opinião pública está diariamente sendo informada dessa amplitude, donde, aliás, decorre a perplexidade geral, inclusive com pronunciamentos acanhados como os do PT e do presidente Lula.

O documento segue na produção de sofismas, propondo o "fim dos relacionamentos informais (quais?) entre governo e partido, que só favorecem a manipulação das instâncias( quais?) partidárias por dirigentes (quais?) com mais acesso ao poder".

Ou seja, palavras que não explicam nada e não querem dizer coisa alguma, tal os "traidores" citados por Lula.

Em seguida, a Executiva do PT informa que o discurso do presidente na sexta-feira "deve ser entendido" como o "início de um novo diálogo entre governo e sociedade civil".

Absteve-se a "resolução" de indicar em que bases deve ser entendido esse novo diálogo quando, e se, evoluir do estágio do monólogo em que se encontra estacionado.

Mas avisou que no dia 3 de setembro, quando estarão sendo completados 112 dias de crise, haverá uma reunião do Diretório Nacional para, ponto um: discutir as punições aos acusados; ponto dois: debater a situação do governo e as ações do partido institucional e socialmente falando.

É possível que seja tarde para convencer o País de seus efetivos propósitos moralizadores se, daqui até lá, o PT continuar fazendo profissão de fé pela recuperação de sua imagem nos discursos e, na prática, prosseguir dando abrigo a todos os que jogaram o nome do partido na lama.

Aos navegantes

Pelo menos dois senadores de oposição ouviram de um petista o seguinte conselho: batam, não esmoreçam, mantenham o PT e o presidente no chão porque, se recuperarem o fôlego, retomam arrogância e a agressividade.

Chapa-branca

Para todos os efeitos, os presidentes e relatores das comissões de inquérito dos Correios e da compra de votos conduzem com isenção os trabalhos, a despeito de pertencerem a partidos aliados ao governo.

Isso no oficial.

No paralelo, a realidade é outra. A postergação de votações de requerimentos e convocações de depoentes não deixa de ser uma forma de manipulação.

Obsessão

Parece mentira, mas tem gente de peso dentro do Palácio do Planalto que ainda vê em Fernando Henrique Cardoso o grande patrocinador da crise política.

O mesmo personagem, que não raro faz da sua a voz do presidente, meses atrás atribuía a FH a eleição de Severino Cavalcanti à presidência da Câmara.

Mal amado

De duas, uma: ou o senador José Sarney não dispõe de admiradores, ou são todos muito discretos.

O registro positivo ao discurso feito por ele terça-feira no Senado, com o diagnóstico da crise, mereceu o repúdio unânime dos leitores cujas opiniões, em geral, são razoavelmente divididas entre prós e contras.