Título: Falta de gás preocupa a indústria
Autor: Agnaldo Brito, Cleide Silva
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/08/2005, Economia & Negócios, p. B6

Diretor da Fiesp acredita que só em 2007 o consumidor terá segurança sobre o fornecimento desse combustível

O diretor do Departamento de Infra-Estrutura da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Saturnino Sérgio da Silva, diz que o Brasil terá de "administrar a crise" no abastecimento de gás natural. Segundo ele, a previsão é que apenas em 2007 os consumidores tenham alguma segurança de abastecimento. Ele afirma que a atitude da Petrobrás, embora esteja mais adequada à realidade da oferta do insumo, preocupa o setor industrial. "A indústria se modernizou e apostou no gás natural como fonte energética e agora se vê ameaçada de não ter o combustível."

Na segunda-feira, o presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, disse que o governo poderá adotar medidas de desestímulo ao uso do gás em indústrias, comércio e veículos e priorizar o abastecimento das térmicas.

Silva lembra que própria Petrobrás estimulou a substituição de vários combustíveis pelo gás natural para criar um mercado consumidor. A Fiesp, diz ele, identificou há alguns anos o risco de crise, principalmente em razão do aumento do consumo veicular. A entidade tentará assegurar o fornecimento de gás para a indústria no momento da criação da Lei do Gás.

O Ministério de Minas e Energia afirma que apresentará projeto de lei ao Congresso em dois meses. Especialistas têm alertado que a regulamentação já está atrasada. Isso, diz Silva, cria um descompasso entre o que a Petrobrás aponta como estratégia e o que o governo poderá decidir na nova lei.

A nova política de gás poderá dar maior clareza sobre como o País pretende usar essa reserva energética. O Brasil tem reservas de 326,1 bilhões de m3 de gás natural.

A preocupação com um possível desabastecimento ou alta de preços também chegou aos consumidores de Gás Natural Veicular (GNV). A taxista Carmem Lúcia Rebolo, na praça há oito anos, teme a repetição do que ocorreu com o álcool no fim dos anos 80, que desapareceu das bombas. "É um absurdo faltar gás", diz ela, que há sete anos abastece seu veículo com GNV. Com o produto, ela gasta dois terços do que gastaria se o seu carro, uma Meriva, tivesse de usar gasolina.

Segundo distribuidores, a Comgás informou que não vai repassar em São Paulo o aumento de 24% divulgado pela Petrobrás na semana passada.

O diretor de Atendimento e Orientação do Procon, Evandro Zuliani, sugere aos motoristas interessados em converter o carro para gás que aguardem. A conversão custa de R$ 2,5 mil a R$ 3 mil. Segundo Zuliani, quem já fez a conversão e se sentir prejudicado poderá recorrer ao artigo 37 da Constituição, que responsabiliza o Estado por danos causados às pessoas. Ele adianta, porém, a dificuldade de se ganhar a causa, pois o motivo da eventual falta de gás seriam problemas imprevistos, como a crise política na Bolívia.

Leon de Oliveira, sócio do Centro Automotivo Portal das Perdizes, inaugurado sexta-feira, reclama que muitas coisas no Brasil são jogadas para o mercado, para depois serem avaliadas. "Primeiro incentivaram o uso do gás, que é mais econômico e menos poluidor, agora querem mudar tudo." O posto tem bombas de álcool e gasolina, mas a expectativa de maior giro é com o gás.

EXAGERO

Para Marcelo Rodrigues, diretor de Gás Natural da White Martins, maior fabricante de cilindros e kits de conversão, o temor pela falta de gás veicular é exagerado. Ele lembra que a frota atual, de 960 mil carros, consome anualmente 5 m3, ou 10% do consumo total de gás.

Se a frota atingir 2 milhões de veículos em 2010, ainda assim a participação continuará em 10%, pois a própria Petrobrás prevê para o período um consumo de 99,3 milhões de m3 ao dia. A White Martins não vai alterar seu plano de investir US$ 65 milhões este ano na ampliação de 20% na produção de cilindros, hoje em 30 mil unidades ao mês, e para dobrar a oferta de kits de conversão para 36 mil unidades.

O presidente da Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás), Romero de Oliveira, solicitou ontem audiência ao presidente da Petrobrás para esclarecimentos de contradições entre a projeção para 2010 e declarações de desestímulo ao uso do gás. "É um absurdo pensar em frear um mercado que cresce 20% ao ano; o certo é investir mais." O setor de distribuição, diz ele, investe R$ 1 bilhão por ano.

"O governo e a Petrobrás precisam esclarecer várias contradições", concorda o presidente da Associação Brasileira de Gás Natural Veicular (ABNG), Mauricio Brazioli. Segundo ele, as reservas divulgadas são suficientes para garantir abastecimento em todas as categorias. A entidade deve divulgar hoje uma carta tranqüilizando o consumidor.

A rede Iqara, com 53 postos de gás, informa que mantém o projeto de ampliação para 70 postos até o fim do ano.