Título: Têxteis demitem e culpam chineses
Autor: Agnaldo Brito
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/08/2005, Economia & Negócios, p. B5

Setor faz protesto em SP e pede imediata publicação do decreto que cria o mecanismo de salvaguarda contra produtos da China

Claudinei de Andrade está desempregado há 3 meses. Foi demitido com outros 74 trabalhadores da Feltrin Indústria Têxtil, de Nova Odessa, interior de São Paulo. Ele é uma das vítimas diretas da nova invasão de produtos chineses no mercado nacional. Ontem, Andrade era um entre os 200 trabalhadores de São Paulo e da região de Americana que estiveram na Praça da Sé para participar do protesto organizado pela indústria têxtil. O objetivo: cobrar imediata publicação do decreto federal que regulamenta o mecanismo de salvaguarda contra a importação de produtos da China.

Trabalhadores e patrões se queixam da concorrência desleal com os produtos contrabandeados ou subfaturados. Alertam ainda que, sem a regulamentação da salvaguarda, não podem denunciar práticas de concorrência desleal.

O Sinditêxtil monitora neste momento 40 produtos da cadeia têxtil. Todos indicam a invasão chinesa, principalmente a partir deste ano, quando acabou o mecanismo de cotas. "O setor avisou o governo que depois do fim das cotas, em 31 de dezembro do ano passado, haveria uma invasão chinesa no mercado nacional. É o que estamos vendo", repete Rafael Cervone, presidente da entidade.

Números extraídos do controle do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) mostram como cresceu o déficit do Brasil no ramo têxtil. Em 2003, era de US$ 111,8 milhões e subiu para US$ 219,1 milhões em 2004. Mas apenas entre janeiro e julho deste ano, a mesma fonte indica que o déficit alcançou US$ 172,8 milhões, evolução de 44,5% comparando-se com o mesmo período de 2004 (quadro ao lado).

Países como Estados Unidos, Argentina e Turquia já regulamentaram os mecanismos internos de salvaguarda. "O Brasil deveria ter feito isso em janeiro, logo depois que terminou o acordo têxtil mundial", diz Cervone.

Segundo ele, as definições das cotas para a importação apenas cresceram neste período. Se o governo brasileiro tivesse assinado o decreto de regulamento das salvaguardas em janeiro, a média mensal de importação seria de 57,5 mil toneladas por mês. O rápido crescimento neste ano elevou a média mensal calculada sobre 12 meses para 81,8 mil toneladas.

O protesto, ontem, no centro da capital paulista marcou uma ligeira mudança na estratégia do setor. Em setembro, patrões e trabalhadores prometem movimentos em Brasília. Antes disso, tentam um último encontro com a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. O MDIC informou ontem que a minuta do decreto aguarda apenas a assinatura da ministra.

DEMISSÕES

Enquanto isso, o conjunto de 30 mil empresas da cadeia têxtil ajustam o quadro funcional à nova demanda. A cadeia tem 1,5 milhão de empregos. Na região de Americana , maior pólo produtor de tecidos planos com fios artificiais e sintéticos, quatro mil trabalhadores já perderam o emprego desde janeiro. Resultado direto do encolhimento da carteira de pedidos.

"É uma condição inacreditável. O item importado chega ao Brasil com valor de até 40% do preço de venda do produto local. Não há a menor condição de competição", reclama Fábio Beretta, dono de tecelagem e presidente do Sindicato das Indústrias de Tecelagem de Americana e Região (Sinditec).

A situação é ainda mais grave, descreve o Sinditêxtil. O monitoramento identificou subfaturamentos até maiores, como o visto na importação de calças de lã masculina. O quilo do produto entrou no Brasil por US$ 1,14. O mesmo produto chegou aos Estados Unidos por US$ 48,76.