Título: Terra dura
Autor: Celso Ming
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/08/2005, Economia & Negócios, p. B2

O Copom decidiu deixar os juros nos 19,75% ao ano. É melhor tratar do que está acontecendo no setor produtivo da economia, desta vez na agricultura, onde também está havendo uma repetição.

Num certo sentido, a agricultura está repetindo o governo Lula. Teve dois primeiros anos bons, um terceiro ruim e o quarto poderia chamar-se "sabe-se lá", de tão repleto que está de incertezas.

O IBGE mostrou que a agroindústria (já se vê que não é só a agricultura) cresceu apenas 0,3% no primeiro semestre de 2005 ante igual período de 2004. Com isso, a renda dos agricultores aponta para a pior dos últimos cinco anos. Por aí, já dá para se ter idéia de como vai o ânimo do setor às vésperas do plantio de primavera que, em princípio, só está esperando as primeiras chuvas para começar.

Como estão todos assustados, estão também prontos a cortar custos, nem sempre onde seria melhor. A disposição de aplicar insumos agrícolas vai sendo quebrada. "Eles estão adiando as compras de adubos, calcário, máquinas e sementes", observa Glauco Carvalho, consultor da MB Associados. Quem puder vai racionalizar quanto for possível na aplicação de fertilizantes em áreas que já estejam em condições de plantio. A alta do petróleo, base para a produção de nitrogenados, é apenas um fator a mais que força os produtores a reduzir seu uso. A safra 2005/2006 tem tudo para empregar menos tecnologia do que as anteriores.

Os fornecedores já estão sentindo as conseqüências. O presidente da Comissão Nacional de Cereais, Fibras e Oleaginosas da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Macel Caixeta, se queixa de que as vendas vão mal: "O produtor entende que não pode correr riscos." No primeiro semestre deste ano a produção de fertilizantes foi 14,5% menor que a do mesmo período de 2004.

Esse corte de custos já produziu um efeito: diminuição da área a ser plantada. Os mais ousados, que nos anos anteriores entraram de cabeça somente porque os preços estavam favoráveis, deixarão a agricultura de lado ou arrendarão terra para plantar cana-de-açúcar. Esta é uma das poucas culturas que ainda vão bem. Outra é o café. A tendência dos agricultores profissionais é de ocupar apenas parte da terra.

Números da FNP Consultoria indicam que a área plantada de soja, por exemplo, deverá diminuir cerca de 7%. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) ainda não tem levantamentos sobre a safra. Mas há os números dos especialistas. Por paradoxal que possa parecer, eles não esperam queda significativa da produção. É o que afirma o analista Daniel Dias, da FNP: "Quando diminui a área de plantação, a tendência é concentrá-la nas terras de melhor qualidade, o que garante aumento da produtividade."

Há quem esbanje mais otimismo, como Amaryllis Romano, da Tendências Consultoria. Ela acredita até em novo recorde de produção - desde que o clima seja favorável. "É claro que assim estaremos contando com a Providência divina, mas a probabilidade de que ocorra é alta."

Mas quem olha em volta não se entusiasma. A agricultura vive um agosto atípico, marcado pela inadimplência. Um pouco disso tem a ver com a quebra de renda e, outro pouco, com a política: um governo mais fraco, como o de agora, sempre está mais vulnerável. Nessas condições, a inadimplência ajuda a pressionar.

O governo também está demorando para anunciar seu Plano de Safra, o que aumenta a indefinição. "O correto é planejar uma safra assim que termina a anterior", alerta Lineu Domit, pesquisador da área de transferência de tecnologia da Embrapa. O atraso no planejamento do plantio de primavera tende a aumentar os riscos. E há ainda a questão do preço, variável sempre incerta.

De todo modo, em algumas commodities, as cotações podem ter caído, mas continuam prometendo, uma vez que a China e seus vizinhos continuam famintos de alimentos e matérias-primas. E quem está nessa vida reclama de tudo, mas não desiste. É só começar o tempo das chuvas.