Título: A regulação no setor de saneamento
Autor: Ronaldo Seroa da Motta
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/08/2005, Economia & Negócios, p. B2

Considerando a necessidade de investimentos anuais na ordem de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB), o papel dos investimentos privados será crucial para o desenvolvimento do setor de saneamento e, para tal, há de se definir um marco regulatório transparente e crível. Esta percepção é compartilhada por todos, mas os resultados políticos até agora são desanimadores. O Projeto de Lei nº 4.147, que chegou à Câmara Federal em 2001, não avançou no Congresso Nacional por conta de controvérsias na sua interpretação da Constituição Federal sobre o poder concedente dos municípios que propunha partilhar com as autoridades metropolitanas. Mais ainda, havia questionamentos sobre o papel do setor privado que se acreditava ser destinado a praticar abusos tarifários e incapaz de manter um padrão de investimentos que atingisse áreas mais pobres.

Recentemente, a atual administração federal encaminhou ao Congresso o Projeto de Lei nº 5.296 que, a despeito das longas seções de princípios e fundamentos, na sua parte substancial determina que:

Além de água e esgoto, incluem-se os serviços de coleta e disposição de resíduos sólidos e drenagem, todos denominados, em conjunto, setor de saneamento ambiental.

Os municípios terão o poder concedente nos serviços de interesse local definidos como aqueles de distribuição de água, coleta de esgotos sanitários, varrição, capina e coleta de resíduos sólidos urbanos e microdrenagem; nos outros serviços - captação de água, tratamento de água, esgoto e resíduos sólidos e drenagem -, somente nos casos de uso exclusivo do município.

Transferências relacionadas com subsídios cruzados serão transparentes e constarão nas contas dos serviços aos usuários.

Nos casos de usos múltiplos por mais de um município, adota-se a gestão integrada com a figura do consórcio recentemente criada por lei.

Caso os municípios não venham a operar seu sistema, os contratos terão de especificar, entre outras coisas, metas, nível e forma de ajustes das tarifas e de subsídios.

O uso dos recursos federais de financiamento será na forma de incentivos para viabilização do modelo proposto.

O projeto avança na governança regulatória ao exigir transparência das metas, tarifas e subsídios. Todavia ainda há o que melhorar. As concessões às empresas privadas serão na forma da lei via licitações, mas, por conta da abertura deixada na nova lei de consórcios, os municípios poderão se valer de contratos de programa que dispensem licitações para contratar empresas públicas de saneamento. A ausência de licitação poderá permitir que as negociações de contratos de serviços incluam outras questões, nobres ou não, para a determinação de metas e tarifas.

Faltam ainda incentivos de eficiência, tais como foram propostos no Projeto de Lei nº 4.147, com a aplicação de princípios de tarifação que beneficiam as empresas com desempenho mais eficiente e penalizavam as ineficientes.

Entretanto, tal como aconteceu com as iniciativas anteriores, este novo projeto de lei corre o risco de não ser debatido na análise dessas questões de eficiência e governança. Poderá, sim, enfrentar a mesma controvérsia sobre o poder concedente e o papel do setor privado.

Este será novamente um falso debate. Se o poder concedente for municipal, teremos de incluir mecanismos de incentivos à criação e controle dos consórcios para que as escalas de operação ótimas sejam alcançadas e a gestão destes maximize o bem-estar dos usuários e permita um ambiente favorável aos investimentos. Se, ao contrário, o poder concedente nas áreas metropolitanas for estadual, então os incentivos funcionariam às avessas no sentido de orientar os Estados a criarem áreas de operação de acordo com os ganhos de escala e densidade e a evitarem um monopólio acima do tamanho ótimo. Mais ainda, não seria totalmente incabível criar, também, um ambiente de concorrência para as operadoras estaduais e, com isso, estimulando licitações para as concessões que se expiram para atrair novas fontes de investimentos e operação, em particular do setor privado.

A definição de poder concedente é uma decisão meramente política e o Congresso Nacional deveria resolver imediatamente este impasse e, assim, a exemplo de outros setores de monopólios naturais, avançar no debate dos instrumentos que consolidam a governança e a eficiência dos serviços.