Título: Os limites do MP
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/08/2005, Notas e Informações, p. A3

Nem mesmo o tradicional corporativismo do Ministério Público (MP) foi capaz de conter a insatisfação de alguns setores da instituição com relação ao comportamento dos promotores de Ribeirão Preto que, ao colher o depoimento do advogado Rogério Buratti, sexta-feira, passaram por assim dizer "ao vivo" para a imprensa informações de um interrogatório em andamento, colocando o ministro da Fazenda no centro da crise política e tumultuando os mercados financeiros. "O MP deve tratar suas investigações com discrição e responsabilidade, tendo por base as garantias constitucionais asseguradas a todos os cidadãos", afirmou o procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza. Evidentemente, o MP federal e o MP estadual são órgãos independentes, sujeitos, portanto, a orientações distintas. No entanto, o simples fato de a Procuradoria-Geral da República ter assumido uma iniciativa inédita, criticando os promotores paulistas em nota à imprensa, enquanto o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Rodrigo Rebello Pinho, concedia entrevista para justificar o injustificável comportamento de seus subordinados, dá o tom da discussão sobre os limites da atuação funcional dos profissionais encarregados pela Constituição de promover "a defesa da ordem jurídica e do regime democrático".

Ao defender os promotores de Ribeirão Preto, Pinho alegou que eles não cometeram qualquer ilegalidade, pois a Justiça não decretou sigilo em relação aos fatos por eles investigados. "A regra é que as investigações devem ser feitas com acompanhamento da imprensa e de forma pública. Sigilo só em hipóteses excepcionais para resguardar a intimidade da vítima ou por conveniência das investigações", afirmou. A explicação é inconvincente, pois a "regra" por ele mencionada não está nem na Constituição nem na Lei Orgânica do Ministério Público. O que a lei manda é que, nas investigações públicas, as garantias dos acusados sejam respeitadas e que os promotores exerçam suas prerrogativas com discrição e responsabilidade.

Tanto isso é verdade que, por ironia, dias antes do lamentável episódio de Ribeirão Preto, a imprensa noticiou uma oportuna iniciativa do próprio chefe do MP paulista. Trata-se de uma nota por ele distribuída aos seus subordinados, na qual os advertia para a necessidade de tomar cuidado com determinadas informações dadas por testemunhas. Mesmo nas investigações sem cláusula de sigilo, lembra a nota, é preciso que promotores busquem comprovar o que foi dito por investigados e por testemunhas.

O que infelizmente tornou necessária uma medida como essa foi uma prática abusiva iniciada há vários anos no MP federal pelo procurador Luiz Francisco Souza. Incentivado pelo PT, partido do qual havia sido filiado, ele se especializou em plantar boatos na imprensa com o objetivo de usar as matérias divulgadas como "indícios" para justificar a abertura de inquéritos criminais contra os governantes da época. O que lhe interessava era apenas utilizar suas prerrogativas para denegrir um governo de cuja orientação político-ideológica discordava abertamente.

No caso dos promotores de Ribeirão Preto, é difícil saber se agiram por motivação política ou pela vaidade de aparecer no horário nobre da televisão, divulgando partes do depoimento em que Buratti acusava o ministro da Fazenda, num tom que significava o endosso explícito das denúncias.

Razões de sobra tem o ministro da Fazenda para protestar contra os que trabalharam "com oito meses de gravações soltando notas pela imprensa". "Não achei corretos os procedimentos dos promotores que apressaram em divulgar um depoimento que tinha apenas começado, traduzindo palavras do depoente que foi colocado numa situação constrangedora", disse Palocci. Após essa crítica, o chefe do MP estadual obrigou seus subordinados em Ribeirão Preto a manter sigilo, a partir de agora, de suas investigações. A decisão é sensata, mas não anula o grave erro já cometido.

Com a redemocratização do País, a Constituição de 88 deu ao MP a autonomia que a instituição tanto reivindicou, a pretexto de zelar pelo Estado de Direito. Infelizmente, porém, ao se deixar tomar pela "síndrome de Luiz Francisco", alguns de seus integrantes vêm mostrando que não estão à altura das importantes prerrogativas que conquistaram.