Título: 'Quem disser que Lula não sabia é marciano ou mal-intencionado'
Autor: Wilson Tosta
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/08/2005, Nacional, p. A8

RIO - Duas vezes adversário do deputado José Dirceu (SP) na disputa pela presidência do PT, em 1997 e 1999, o ex-deputado Milton Temer, que se desfiliou para fundar o PSOL, irrita-se com o que chama de operação para demonizar Dirceu e endeusar o ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Para ele, o objetivo é preservar o presidente Lula, visando à eleição de 2006. Temer afirma que Dirceu tem suas responsabilidades nos escândalos, mas não sozinho. "Quem disser que o presidente Lula não sabia de nada é marciano ou mal-intencionado", garante. Também não acredita que Palocci seja garantia de que Lula não será populista. "Lula já é um caudilho populista", diz ele, que foi deputado de 1995 a 2002 e saiu do PT no fim de 2003, no mesmo dia em que a senadora Heloisa Helena (PSOL-AL) foi expulsa. Para Temer, Palocci apenas cumpre a política econômica de Lula, e implementaria outra, se recebesse ordem para tal. "É aquela cabeça sindical, da pequena conquista", critica.

Essa crise é nova para o senhor?

Crise igual a essa nunca vi. Porque nunca um partido com a história do PT chegou ao governo. Segundo, tem coisas que não adianta o PT dizer: "Vocês faziam igual." É verdade, faziam igual havia 500 anos. O problema é que o PT chega para mudar isso. "Ah, mas o PSDB também fazia." Que o PSDB também fazia eu sei. Eu gritei "Fora FHC". Quando o PT entra nessa maracutaia, causa um imenso estrago porque, na cabeça do cidadão comum, acabaram-se as alternativas. Então, como é que a gente faz se houver o impedimento do Lula?

Nesses anos todos, deu para perceber sinais do que se fala agora?

Tem um episódio que me marcou muito, na campanha de 1994. Saiu uma notícia, o que seria um escândalo naquele momento, que a campanha de Fernando Henrique à Presidência tinha apoio maciço dos banqueiros. Isso nos surpreendeu em São Paulo, numa reunião do Diretório Nacional. Já preparávamos a ofensiva para atacar pesadamente, quando suspendem a reunião e dizem: "Olha, tem reunião com a Tesouraria, temos uma coisa para revelar, vamos com cuidado nisso." Aí entra para prestar o esclarecimento uma pessoa que não era do diretório. Era Paulo Okamoto.

E qual era a explicação?

Ele disse: "Olha, vão com calma, porque nós também recebemos (dinheiro de bancos) e a matéria vai sair no próximo domingo." Isso no PT era um escândalo. Ele sentou lá com a autoridade de chefe. Isso para mim revelou uma coisa: existem duas instituições. Uma é o partido. Outra é o governo paralelo. Quando Lula perde a eleição de 1989, começa a estabelecer uma operação fora do partido. Esse governo paralelo desemboca no Instituto da Cidadania. Quem deliberou sobre o programa de governo (de 2002) não foi o encontro do Recife, mas fóruns organizados no instituto, que, sob protesto do campo da esquerda, tinham Cesar, ACM e companhia. O PT é Dirceu quem administra, para elaborar uma política que na verdade era construída por um grupo de assessores do Lula que nem eram da direção. Okamoto, Mantega, Paulo Vanucchi, Vicente Trevas, Marco Aurélio. Okamoto presidia o Instituto da Cidadania e não era da direção. A guinada fundamentalmente ocorre aí, com o deslocamento de burocratas da CUT para a direção partidária. Até então Lula dividia suas bases entre a CUT e o partido. Aí, ele começa a ter quadros suficientes para ter uma parte controlando a CUT e outra vir para dentro do partido. Delúbio veio nessa época.

Agora, nesse processo, houve mesmo a intenção do Campo Majoritário de "matar" a militância?

Uma vez o Mercadante me disse: "Tenho de sair candidato majoritário agora, porque o PT das administrações vai tomar conta." O PT enfrentou a história do poder local como forma de comer o sistema capitalista pelas bordas. E terminou comido pelas bordas. O capitalismo penetrou no PT pela disputa do poder local. Quem fez a guinada do PT foi a burocracia sindical. Tirando a prefeitura de Porto Alegre, não boto a mão no fogo por nenhuma prefeitura do PT. Talvez Belo Horizonte, com Patrus Ananias. Mas estas prefeituras aí do PT pelo interior de São Paulo... O processo fundamental é aquele do Roberto Teixeira. O Paulo de Tarso avisou. Lembro da reunião do Diretório Nacional, quando saiu a denúncia. No meu modo de ver, ali foi que se deu a entrega definitiva do Dirceu ao Lula, a submissão. Dirceu tinha instalado a comissão. Tinha posto Hélio Bicudo, Paul Singer e José Eduardo Cardozo. Essa comissão, não tenho certeza o que determinou para o Lula, mas indicou a expulsão do Teixeira. Quando chega no diretório, o mesmo Dirceu organiza a reunião para expulsar o Tarso. E o Teixeira fica no PT.

Como vê o processo de Dirceu?

Lamento a mudança política do Zé, profundamente, mas vejo nele um dos maiores organizadores do partido, de onde concluo que não será fácil desmontar a estrutura que construiu em dez anos. É fácil demonizar o Zé Dirceu. Porque ele é arrogante, tem a concepção do trator, atropela acordos. Agora, é preciso deixar clara uma coisa: não tem nenhum inocente nisso tudo. Não tem mocinho. Não há como responsabilizar só o Dirceu. Ele era apenas o líder natural, mas não era mais do que nenhum dos outros. Não vejo razão para transformar o Palocci em deus e o Dirceu em demônio, a não ser que seja para preservar o Lula até 2006 No fundo, fica todo mundo olhando o Zé Dirceu do passado. E o Palocci é a imagem, o contraponto disso, o PT da acomodação.

Tarso Genro quer dar a cabeça do Dirceu para salvar a do governo?

O Tarso é candidato a presidente da República em 2006, caso Lula não o seja. Ele está fazendo campanha presidencial.

O Palocci é o PT do Bem?

O PT do Bem é o PT desse modelo. O anti-PT. Dirceu tem a simbologia do PT e Palocci, do anti-PT. No tempo do PT-PT, Palocci era segundo escalão. O Palocci se afirma na negação da história do PT, por isso é paparicado Não foi Palocci que mudou a política econômica. Foi Lula quem determinou. Outra coisa: Palocci não é a garantia de que o Lula não vai ser populista. Isso é bobagem. O Lula já é populista. Objetivamente, o Lula é o dono do modelo. O Palocci é o executor.

Dá para dizer que o presidente Lula não sabia do que ocorria?

Quem falar essa frase levando a sério, ou chamo de marciano ou mal-intencionado. Lula nunca abriu mão de conduzir tudo.