Título: Crônica do cinismo amigo
Autor: João DomingosLuciana Nunes Leal
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/08/2005, Nacional, p. A13

O roteiro está ficando cada vez mais repetitivo. O cidadão vai depor numa CPI e afirma que não roubou, que o dinheiro de caixa 2 foi utilizado no pagamento de dívidas de campanha e que a culpa de tudo é desse sistema político-eleitoral perverso, que leva os políticos a lançarem mão de recursos "não contabilizados". É duro ter de agüentar Silvio Pereira e Delúbio Soares pontificando sobre a necessidade de uma reforma política profunda. Delúbio chegou a afirmar que o PT estava prestando um relevante serviço à Nação, ao expor as mazelas do sistema político, como contribuição para um projeto de reforma. Pode existir cinismo maior?! Ontem, foi a vez do presidente do PL, Valdemar Costa Neto. Passou a tarde na CPI do Mensalão afirmando que recebeu dinheiro, sim, mas de origem conhecida: o caixa do PT, administrado com tanta criatividade por Delúbio Soares. Vamos, primeiro, deixar uma coisa bem clara: alegar problemas fiscais e crime eleitoral pode ser uma tática muito esperta, construída por um advogado mais esperto ainda, para livrar os acusados da cadeia. Quem sabe, repetida à exaustão, pode até colar. Eles fingem que estão arrependidos, a sociedade finge que acredita. Acontece que o dinheiro é ilegal, a fonte é desconhecida, o caixa 2 é crime. Segundo a Lei Orgânica dos Partidos, é proibido aos partidos políticos brasileiros lidar com recursos de origem não revelada. É base até para o cancelamento do registro junto ao TSE. E assim, cada cidadão que se senta numa CPI vai cravando mais uma estaca no coração do PT. Mas não é só. Cada cidadão que se senta numa CPI vai também tornando mais e mais delicada a situação do presidente da República. Duda Mendonça afirmou que recebeu dinheiro no exterior, como parte do pagamento por serviços prestados à campanha presidencial de 2002. Delúbio, por sua vez, reconheceu que o dinheiro recebido por um assessor de Ciro Gomes era pagamento por uma peça de campanha, quando Ciro decidiu apoiar Lula no segundo turno. E agora Valdemar Costa Neto complica ainda mais a situação de Lula, ao afirmar que todos os recursos que recebeu do PT foram aplicados no segundo turno das eleições presidenciais de 2002. Perante a lei, um candidato é responsável pelas contas de sua campanha perante a Justiça Eleitoral. Não importa que Lula não tenha visto um tostão sequer durante toda a campanha, não importa que nem tenha tocado no dinheiro. É responsável assim mesmo.