Título: Biotecnologia pára por falta de regulamentação
Autor: Herton Escobar
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/08/2005, Vida&, p. A18

Quase seis meses passados da aprovação da Lei de Biossegurança, cientistas da área de biotecnologia continuam com as mãos atadas, à espera de regulamentação. Apesar de todos os esforços para aprovar um texto favorável às pesquisas com organismos geneticamente modificados (OGMs), pouca coisa mudou. A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), encarregada de aprovar e supervisionar os trabalhos, foi imediatamente desfeita e não poderá voltar a funcionar até que a lei seja regulamentada pelo governo. Resultado: mais de 390 processos parados, desde liberações comerciais até teses de doutorado e mestrado. "Está pior do que antes", diz a presidente da Associação Nacional de Biossegurança (ANBio), Leila Oda. "Antes a gente tinha a CTNBio funcionando, mesmo que precariamente; agora nem isso. Está tudo parado." A nova Lei de Biossegurança foi aprovada pelo Congresso no início de março, após sete anos de brigas e contestações jurídicas que empacavam a aplicação da lei anterior. Ao fim de uma longa batalha envolvendo ministros, pesquisadores, ambientalistas, religiosos e produtores agrícolas, chegou-se a um texto que reconhece a CTNBio como autoridade responsável pelo controle das atividades com OGMs.

O problema é que a composição da comissão foi alterada e os antigos membros foram destituídos. Durante a vigência da antiga lei, os entraves legais giravam em torno da aprovação de liberações comerciais e experimentos de campo com plantas transgênicas. Mas os processos mais rotineiros, como certificações e autorizações para estudos de laboratório, continuavam tramitando.

Agora, tudo parou. Desde março nenhum processo é avaliado pela CTNBio, pela simples razão de que não há ninguém para fazer a avaliação. No momento, a comissão é formada apenas pelo secretário-executivo, Jairon Santos do Nascimento, e uma secretária. "De todos os momentos desde a aprovação da primeira lei, em 1995, este é o pior", diz o cientista Luiz Antonio Barreto de Castro, ex-presidente da CTNBio e recém-empossado secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Sem a regulamentação, diz ele, continuará a imperar uma "moratória branca" à biotecnologia no País.

"Se não fizerem a regulamentação até setembro, o estrago vai ser grande", diz a pesquisadora da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Maria José Sampaio. A maior parte das culturas transgênicas que está sendo desenvolvida pela instituição - como soja, milho, mamão e algodão - precisa ser plantada no fim do ano, quando as condições climáticas são propícias. "Planta não espera a gente ir até a praia e voltar", diz. "Não dá para fazer experimento fora de época. Ou você planta agora ou perde o ano inteiro."

A regulamentação depende da Casa Civil, que já possui um projeto de decreto formulado pelo MCT. A ministra Dilma Roussef deverá convocar uma reunião do Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), composto por 11 ministros, para aprovar o texto e encaminhá-lo ao presidente Lula. Mas a polêmica continua. A grande discussão agora nos bastidores é se o decreto deverá também ser submetido a consulta pública, o que atrasaria ainda mais sua aprovação.

Segundo a Assessoria de Comunicação da Casa Civil, o decreto está sendo avaliado com outros ministérios e não há data prevista para reunião do CNBS.

Enquanto isso, vários pesquisadores consultados pelo Estado relataram projetos parados ou atrasados pela inoperância da CTNBio. Entre eles está o pesquisador Marcio de Castro Silva Filho, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP). Ele e seus alunos esperam há meses por uma autorização para importar sementes geneticamente modificadas de Arabidopsis thaliana, uma planta básica de pesquisa, usada em laboratórios do mundo todo. As sementes - cada uma delas menor do que a ponta de um alfinete - serão usadas no estudo de um grupo de hormônios vegetais.

A Arabidopsis só cresce em condições controladas de laboratório, abaixo de 22º C. Os cientistas já encomendaram uma câmara fria de US$ 35 mil para cultivá-las, mas a importação das minúsculas sementes depende da CTNBio. "Temos competidores lá fora pesquisando. Enquanto isso, a gente fica parado."

EMBRIÕES

A pesquisa com células-tronco embrionárias não envolve OGMs e portanto não depende de autorização da CTNBio. Mas os cientistas da área também aguardam ansiosamente pela regulamentação da lei, que permite pela primeira vez a pesquisa com células de embriões humanos . Nesse caso, os projetos precisam ser aprovados pelos comitês de ética de cada instituição.

A lei autoriza o uso de embriões produzidos por fertilização in vitro e congelados há pelo menos três anos. Falta a regulamentação para dizer como esses embriões serão selecionados, registrados e distribuídos pelas clínicas de fertilidade para os pesquisadores.