Título: Tratamento político
Autor: CELSO MING
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/08/2005, Economia & Negócios, p. B3

O aspecto mais relevante na delação feita ontem pelo advogado Rogério Buratti não foi o envolvimento do ministro Antonio Palocci no esquema de corrupção do PT, seguido por desmentidos de praxe. Foi o aviso de que esta crise política pode, a qualquer momento, produzir bombas de intensidade variável e de conseqüências imprevisíveis.

Em processos políticos dessa natureza, ninguém pode confiar demais em esquemas de blindagem. Sempre haverá um "ex" (ex-mulher, ex-secretária, ex-motorista, um ex-assessor demitido em tempos idos) em condições de acender o pavio de alguma dinamite.

Imaginava-se que as origens do PT davam a seus dirigentes alguma envergadura moral. Talvez em conseqüência da queda do Muro de Berlim e dos desmanches ideológicos que se seguiram, o PT chegou com fome demais, despreparado para lidar com assuntos complicados, como o dos financiamentos de campanha eleitoral. Nas prefeituras que conquistou pelo Brasil, deixou-se enredar com surpreendente ansiedade em armações esquisitas, montadas por empreiteiras de lixo e empresas de transportes urbanos. Foi nesse meio que o PT recrutou boa parte dos seus operadores, logo guindados, sem curso preparatório, ao palco federal.

O novo instituto da denúncia premiada, que dá descontos atraentes de penas futuras para quem se preste a ser colaborador da Justiça, aumenta a probabilidade das denúncias. E, cá entre nós, melhor assim: aumenta também a probabilidade de que a sociedade seja informada do que se passa e fique mais bem equipada para fazer suas escolhas.

É natural que o mercado financeiro reaja com as vísceras, como ontem, a cada nova denúncia. Mas, a seu modo, vai demonstrando que confia, mais do que anos atrás, na solidez dos fundamentos da economia. Fosse no passado, por muito menos do que hoje já se sabe dos desmandos do PT, teria havido uma incontrolada fuga de capitais e o sistema produtivo estaria paralisado. Mas não é assim. Com algum aumento dos batimentos cardíacos, a economia segue seu curso.

O espocar das bombas tende a prosseguir e tem potencial para chegar mais perto do Palácio do Planalto. O que preocupa, no caso, é a dificuldade de reação do presidente Lula. Quando isso acontece, ele parece sujeito a crises de paralisia, traço conhecido desde o caso Lurian, de 1989. Nessas condições, demora demais para agir e deixa que as incertezas tomem corpo.

Não é fora de propósito imaginar que Lula se visse obrigado a demitir Palocci, não porque fosse culpado de algum deslize, mas, talvez, porque ficasse importante mostrar determinação e sensibilidade política. Foi assim, em 1999, quando o presidente Fernando Henrique demitiu sumariamente seu ministro e amigo pessoal Clóvis Carvalho, não porque alguma denuncia o envolvesse, mas por ter ele criticado a política econômica conduzida pelo ministro Pedro Malan. Nessa ocasião, o presidente entendeu que qualquer vacilação seria interpretada como fraqueza, capaz de produzir estragos irreparáveis.

Mas o que mais importa neste momento não é se é preciso ou não mudar o piloto do navio, mas se o curso atual vai ou não ser mantido. Quando, por exemplo, encoraja (ou não rechaça) as críticas à política econômica, tal como feitas pelo presidente do PT, Tarso Genro, o presidente Lula passa a impressão de que pode rever o curso atual.

Esta não é uma crise econômica, nem tampouco institucional, como tantas no passado. É uma crise política e como tal deve ser tratada.