Título: Para não comer cru nem quente
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/08/2005, Nacional, p. A6

O açodamento, ensina o dito ancestral, é inimigo da perfeição. Pode ser também um grande aliado da injustiça e, no limite da exacerbação, da impunidade. Portanto, conviria aos bravos integrantes das comissões de inquérito e do Ministério Público conferirem alguma cerimônia ao trato das informações obtidas, a fim de não levarem as investigações a acidentes de percurso. O filme já foi visto durante o processo de impeachment de Fernando Collor que, com falhas de instrução, acabou absolvido na Justiça por falta de provas, mesmo sendo as evidências de corrupção suficientes para sustentar a convicção da sociedade e a decisão do Parlamento.

Agora que as investigações das CPIs, Polícia Federal e Ministério Público chegam a provas e testemunhos cruciais, se não houver uma certa prudência no manejo das informações, corre-se o risco de pôr tudo a perder por injunções outras.

Tomemos os casos do doleiro conhecido como Toninho da Barcelona e do ex-assessor do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, Rogério Buratti.

A pressa na divulgação dos depoimentos que um deu a uma delegação da CPI dos Correios e outro aos procuradores em Ribeirão Preto deu margem a contestações de toda sorte, até mesmo ao recém-nascido, no Brasil, instrumento da delação premiada.

Desnecessário lembrar ao atento leitor a quem favorecem a dúvida e a confusão que não raro resultam em desmoralização e banalização dos assuntos em pauta. Certamente já há gente muito animada com a entrada em cena dos ministros Márcio Thomaz Bastos e Antonio Palocci de uma forma atabalhoada.

Esses interessados na mixórdia produzida por inconsistências aqui e ali são os arautos da desqualificação de depoimentos de gente que supostamente falaria "qualquer coisa" para ter a pena reduzida. Como se para merecer o benefício não precisassem apresentar provas e não fosse assim, com informações obtidas "por dentro" dos esquemas criminosos, que no mundo inteiro se obtêm as comprovações necessárias ao estabelecimento de culpas.

O doleiro deu à CPI informações importantes, a serem verificadas se úteis ou não. Mas, na pressa de satisfazer a naturalíssima sede de informações da sociedade, parlamentares saíram falando das remessas de dinheiro ao exterior feitas pelo ministro da Justiça. Ato contínuo, Thomaz Bastos apresentou os documentos da operação sobre a qual pagou impostos.

Até aonde a vista alcança, não há ilícito. Valendo-se disso, levantam-se vozes - algumas bem intencionadas, outras muito antes pelo contrário - de protesto ao crédito dos testemunhos e aos métodos dos investigadores.

Como há um fundo de verdade, o perigo é essa base servir para mascarar outras realidades e, assim, se iniciar um processo de desqualificação das apurações e desconsideração a respeito do que já é fato.

No caso do ministro Palocci, o afã de informar dos procuradores levou à divulgação de parte do depoimento de Rogério Buratti, antes mesmo do interrogatório concluído. Compreende-se, até certo ponto, a atitude, pois o que ele dizia dentro da sala combinava perfeitamente com investigações há muito em curso.

Mais grave, no que tange ao todo, que a citação do nome do ministro é a informação sobre a cobrança de porcentual de contratos de serviços públicos para o abastecimento dos cofres do PT.

Mas, quando se fala o nome do ministro sem uma comprovação consistente, as atenções concentram-se na figura dele, o mercado - analfabeto político que é - revira-se num Deus nos acuda e tudo passa a girar em torno da necessidade de "proteger a economia".

Como para isso não há esforços a medir, a preocupação geral passa a ser a de distanciar a pessoa do ministro da história e, com isso, perde-se energia que deveria ser concentrada no essencial: a revelação dos tentáculos do esquema de sustentação financeira do PT e o forte indício de que no governo federal foram ampliados métodos antigos já denunciados, mas relegados ao terreno do preconceito e da divergência política.

O panorama indica o seguinte: o PT não se valeu de um esquema montado há tempos por Marcos Valério para atender políticos de variados matizes interessados em financiar suas campanhas ao arrepio da Lei Eleitoral, mas o usou como instrumento (talvez não o único) para levar adiante, em âmbito nacional, um procedimento adotado nas estruturas administrativas às quais as eleições deram acesso ao partido.

Trata-se de esclarecer todos os detalhes disso. Independe, pois é mera conseqüência, se a descoberta de tais fatos implicarem a substituição de quem quer que seja, do ministro da Fazenda ao presidente da República.

Ponto final

Segue, entre os leitores, a polêmica sobre o discurso do senador José Sarney. E, para que não se diga que ele é um mal amado, chegaram também mensagens de apreço. Ao conteúdo da fala, bem entendido.

A favor de Sarney, note-se sua capacidade de despertar sentimentos extremados.