Título: Mecanismo anticíclico de superávit agora é lei
Autor: Ribamar Oliveira
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/08/2005, Economia & Negócios, p. B4

Sob condições já definidas, governo poderá gastar mais quando a economia estiver fraca e poupar mais quando houver expansão

BRASÍLIA - A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2006, aprovada ontem pelo Congresso, criou um mecanismo que permite, em tese, ao governo gastar mais quando a economia estiver fraca e poupar mais quando a economia estiver em forte expansão. Assim, o superávit primário, ou seja, a poupança feita pelo governo para pagar os juros de suas dívidas, poderá ser maior ou menor que a meta inicialmente definida, dependendo do nível de atividade do País. Esse é o chamado "mecanismo anticíclico", que vinha sendo tratado como uma discussão exótica entre os economistas, mas acabou virando lei. É, porém, um mecanismo anticíclico capenga. Na prática, o mecanismo só funcionará de um lado, o de apertar mais os gastos. Em situações que, em tese, o governo deveria liberar mais dinheiro, entrará em funcionamento uma "trava" incluída na LDO pelo relator, deputado Gilmar Machado (PT-MG), a pedido da área econômica.

Pelo texto aprovado, o governo poderá suspender a redução do superávit (ou seja, deixar de gastar mais) se a dívida pública líquida estiver caindo, em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), em ritmo inferior à média de 2004 e 2005. Isso significa que a dívida líquida terá de atingir 48,5% do PIB no fim de 2006 para o mecanismo anticíclico funcionar dos dois lados. É um resultado difícil, pois a expectativa dos técnicos é que ela termina este ano em 51,4% do PIB.

O Orçamento da União para o próximo ano será elaborado com uma previsão de crescimento econômico de 4,5% e de superávit primário de 4,25% do PIB. Se a expansão efetiva da economia, no entanto, for de apenas 3,5%, o governo poderá reduzir o superávit primário, segundo autorização da LDO, em 0,2 ponto porcentual do PIB. Ele cairia, portanto, para 4,05% do PIB.

Mas, para fazer isso, o governo terá de assegurar primeiro que a dívida líquida caia para 48,5% do PIB. A área técnica do Congresso estimou que, para isso ocorrer, o Banco Central teria de reduzir dramaticamente a taxa real de juros, dos atuais 13% ao ano para algo em torno de 6% ao ano, o que é considerado impossível. Ou seja, a redução do superávit primário não poderá ser feita, mesmo com uma atividade econômica mais fraca do que o planejado.

IRONIA

Se a economia em 2006 crescer mais do que a estimativa de 4,5% prevista no Orçamento, o governo está autorizado pela LDO a elevar formalmente a meta de superávit primário. Se a expansão for de 5%, como já projetam o Ministério da Fazenda e o Banco Central, o superávit primário será elevado para 4,35% do PIB. "Por que vocês acham que o ministro Antonio Palocci (da Fazenda) e o Joaquim Levy (secretário do Tesouro Nacional) aceitaram colocar esse dispositivo na LDO?", perguntou ontem o deputado Gilmar Machado, com ironia. E ele mesmo respondeu: "É porque eles acham que a economia em 2006 vai crescer mais de 4,5%, algo como 5%."

O relator Gilmar Machado disse também que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deverá vetar pelo menos três artigos da LDO. Um dos vetos, segundo ele, deverá recair sobre o dispositivo que permite a inclusão, no Orçamento da União do ano que vem, de R$ 14 bilhões a R$ 15 bilhões para fazer frente às despesas com a renegociação dos débitos dos produtores rurais prevista em projeto de lei do deputado Ronaldo Caiado (PFL-GO) aprovado ontem pela Comissão de Agricultura da Câmara.

Outro veto do presidente, de acordo com Machado, incidirá sobre o artigo que impede o contingenciamento das emendas dos parlamentares. O terceiro veto vai suprimir o artigo que impede o contingenciamento das verbas orçamentárias das agências reguladoras, segundo Machado.