Título: Bandidos chutam dados de vítimas
Autor: Marcelo Godoy
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/08/2005, Economia & Negócios, p. C1,3

Criminosos dizem coisas óbvias para dar credibilidade à ameaça; delegado orienta a desligar sempre o telefone, até golpista cansar

O golpe do seqüestro está tão popular que muitos bandidos nem se dão ao trabalho de pesquisar a vida das vítimas. Simplesmente chutam. Quando dá errado, a extorsão fica parecendo trote, como ocorreu recentemente numa empresa em São Paulo. "Quem fala?", perguntou o bandido. O interlocutor, que estava ocupado e não queria se identificar, disse que se chamava Antônio. "Antônio, nós seqüestramos sua mulher!" A vítima parou, respirou e respondeu: "Meu amigo, eu não me chamo Antônio." E desligou. No chute, os criminosos dizem coisas óbvias para dar mais credibilidade à ameaça, tais como: "Olhe pela janela e você vai ver um carro branco!" Quando o bandido acerta, o efeito é devastador. "A vítima pensa que está sendo vigiada e paga", disse o diretor do Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado (Deic), Godofredo Bittencourt Filho.

No golpe do seqüestro, o bandido não deixa a pessoa parar para pensar. Pressiona ao extremo e pede um valor pequeno de resgate, que pode ser arranjado em pouco tempo. Isso porque o criminoso sabe que o tempo corre contra ele, aumentando a probabilidade de a farsa ser descoberta.

O objetivo é fazer a pessoa comprar créditos para celulares pré-pagos ou depositar o dinheiro na conta bancária de um laranja, de onde ele será sacado por um comparsa em outro Estado. "São presos do Rio que fazem isso e é lá que o dinheiro é sacado", disse o delegado Emydgio Machado Neto, do Deic.

O golpe é um aprimoramento de outro: o da ameaça do Primeiro Comando da Capital (PCC). A idéia nasceu em 2003, no presídio Plácido Sá de Carvalho, no Complexo de Bangu, Rio. Quatro presos, com apoio de bandidos de Guarulhos (SP), levantavam dados sobre empresários paulistas. A ameaça era simples: caso não pagasse, a pessoa teria a empresa roubada ou morreria.

O Deic identificou 11 integrantes do bando. No Rio, a direção do presídio puniu os detentos, transferindo-os para outras prisões. "E assim eles popularizaram o golpe, ensinado para outros detentos", disse Bittencourt. Os bandidos passaram a telefonar para Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Cada um faz até 50 telefonemas por dia. Se apenas uma vítima pagar, o esforço valeu.

Houve casos em que o filho da vítima estava nos Estados Unidos, mas ela pagou. Virou então, cliente. Semanas depois, os criminosos voltaram a ligar. O mesmo ocorreu com duas escolas particulares, que pagaram o achaque para que seus alunos não fossem "seqüestrados".

A Polícia Militar decidiu preparar os atendentes do 190 para que orientem vítimas do golpe. "Não paguem e desliguem, que uma hora eles vão cansar e parar de telefonar", disse Bittencourt.