Título: Pressa teria causado tragédia do VLS
Autor: Simone Menocchi
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/08/2005, Vida&, p. A26

SÃO JOSÉ DOS CAMPOS - O acidente com o Veículo Lançador de Satélites (VLS), em Alcântara, no Maranhão, que, em 22 de agosto de 2003, fez 21 vítimas, pode ter ocorrido por insistência e pressa por parte dos comandantes da operação e pela falta de segurança. Não havia nenhum plano de segurança que garantisse a vida dos profissionais no Centro de Lançamento de Alcântara. A constatação é dos advogados da Associação das Famílias dos profissionais que morreram no acidente. Eles tiveram acesso ao inquérito policial militar (IPM), até então confidencial, e concluíram que os relatórios mostram a falta de estrutura e segurança com que a missão era levada adiante. "O inquérito está abarrotado de provas que certamente levariam a uma ação penal", diz a advogada Ana Paula Maciel. Apesar do documento, em março o processo foi arquivado, por falta de provas.

Nos 10 volumes e 2.282 páginas há depoimentos e relatórios dos profissionais. "Nos apontamentos diários, eles contam que tomaram choques três dias antes e nada foi feito. Neste momento, a operação deveria ser suspensa. Era sinal de que algo não ia bem", afirma o outro advogado, José Roberto Sodero.

O Estado teve acesso ao inquérito sigiloso. Nele, a engenheira Maria Cristina Vilela Salgado confirma que os acionadores dos foguetes, que deveriam ser instalados no mesmo dia do lançamento, foram montados antecipadamente. "Na verdade, a instalação dos detonadores do primeiro estágio foi antecipada por dois dias por decisão da equipe técnica."

A instalação dos detonadores preocupava muito os técnicos, segundo relatórios diários. "Eles cumpriam ordens, não tomavam decisões sozinhos e nem poderiam fazer isso", diz o advogado.

ALERTA

Três horas antes do acidente, o engenheiro Gines Garcia - um dos 21 que morreram - chamou a atenção da Segurança e da Coordenação da operação para que, a partir daquele momento, redobrassem os cuidados, pois a segurança da plataforma estava apenas na casamata. O depoimento, do agente de segurança Amauri dos Santos Conceição, consta do inquérito militar sigiloso: "Lógico que ficamos preocupados. Garcia também disse que o umbilical da linha de fogo não podia sequer ser desconectado, pois senão ativaria o propulsor. Foi colocada uma fita para sinalizar o acesso naquele local, evitando que qualquer pessoa lá esbarrasse e nesse esbarrão viesse a desconectar a linha de fogo".

No dossiê em nenhum momento se explica por que havia 23 profissionais na base de lançamento. "Não poderia ter mais que cinco pessoas lá. Essa norma deveria ser seguida", diz Sodero. Segundo o advogado, a missão não contava com programa de controle de riscos ambientais nem de prevenção de acidentes. "Não havia nenhuma norma que garantisse a segurança deles. Alguns entravam e saíam de chinelo e bermudas."

Outro ponto levantado foi a falta de verbas e peças novas e adequadas. "Até parafusos que não encaixavam tinham de encaixar. Eles estavam sendo pressionados. A ordem era para lançar de qualquer jeito e isso qualquer leigo que ler o inquérito vai perceber", argumenta Ana Paula.

A Aeronáutica informou que o que está no inquérito foi julgado pela Justiça e só ela pode responder por que o arquivou.