Título: Decisão infeliz
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Fonte: O Estado de São Paulo, 25/08/2005, Notas e Informações, p. A3

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Nelson Jobim, acaba de criar um conflito de proporções inéditas entre o desenvolvimento econômico e social e a defesa do ambiente. Ao transferir ao Congresso Nacional a responsabilidade pela autorização de obras em áreas de preservação ambiental, o ministro impôs um novo e desnecessário obstáculo a investimentos de grande importância para o País. Nem por isso tornou mais efetiva a proteção ecológica. Sua decisão pode ter agradado a alguns grupos ambientalistas - com certeza não àqueles comprometidos com políticas equilibradas e razoáveis. Se não for anulada, acabará agradando, também, a políticos habituados a tornar lucrativa a tramitação de projetos. A inovação introduzida pelo presidente do STF está numa liminar concedida a uma Ação Direta de Inconstitucionalidade do procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza. O presidente do STF poderia ter esperado a distribuição do caso a um de seus colegas, mas apressou a decisão e concedeu a liminar na véspera da reunião, no dia 26 de julho, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).

Nessa reunião, seriam discutidas normas para autorização de obras em áreas de preservação. O artigo 4º do Código Florestal, de 1965, atribui a gestores ambientais o poder de autorizar obras. Em seu pedido de liminar, o procurador-geral defendeu a anulação desse dispositivo da lei.

Com a decisão do ministro Jobim, a construção de pontes, a abertura de estradas, a edificação e a ampliação de hidrelétricas e a mineração, entre outras atividades, passam a depender da aprovação de leis pelo Congresso Nacional, se os projetos forem destinados a áreas de preservação. O parecer técnico dos órgãos do Sistema Nacional de Meio Ambiente perderá importância como fundamento para as autorizações. O processo de avaliação dos projetos, já muito longo, ficará ainda mais demorado, mas essa não será a pior conseqüência da mudança.

O exame de cada projeto ficará sujeito às condições de trabalho do Congresso e às características da negociação parlamentar. A aprovação passará a depender de interesses político-eleitorais e de barganhas desvinculadas de questões de ecologia e de desenvolvimento. Recentemente, a bancada ruralista bloqueou a votação do projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias para obter o reescalonamento de dívidas. Qualquer projeto de obra enviado ao Congresso ficará sujeito a percalços desse tipo.

A mudança introduzida pela decisão do presidente do STF tornará, portanto, mais complicado, menos técnico e mais perigoso o processo de exame e de autorização de investimentos em áreas de conservação ecológica. Nenhum ambientalista razoável e comprometido com o interesse público pode apoiar essa distorção e já houve quem se manifestasse contra.

Além do mais, o novo processo violará o sentido da função legislativa tal como entendida, tradicionalmente, na cultura jurídica brasileira. O papel do Congresso é discutir e aprovar normas gerais e abstratas e não tomar decisões caso a caso, como lembrou o advogado do Instituto Sócio-Ambiental (ISA), André Lima.

Há, portanto, vários e excelentes motivos - políticos, técnicos, administrativos, econômicos e sociais - para se manter a atual divisão de funções nas políticas de desenvolvimento econômico e de preservação ambiental. O Congresso continuará cuidando de legislar sobre temas gerais e abstratos e o Executivo cuidará dos casos particulares de acordo com as leis em vigor. Quando houver controvérsia sobre o sentido, sobre o cumprimento ou sobre a constitucionalidade da norma, as partes deverão recorrer ao Judiciário e este evitará subverter o sistema.

O próprio Judiciário ainda se pronunciará sobre o caso e poderá derrubar a decisão tomada por seu presidente. É preciso, como já se tem dito muitas vezes, tornar mais eficiente o sistema de análise de projetos sob o ponto de vista da proteção ambiental. É preciso melhorar, também, os serviços de prevenção e de combate à devastação de recursos naturais. Mas não pelo caminho proposto pelo presidente do STF.