Título: Frei Betto: direção atolou pé na lama
Autor: Ubiratan BrasilRoldão Arruda
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/08/2005, Nacional, p. A12

PASSO FUNDO - A direita brasileira não conseguiu em décadas o que um pequeno núcleo de dirigentes petistas conseguiu em poucos anos: desmoralizar a esquerda. O comentário partiu do escritor Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, que participou ontem da 11.ª Jornada Nacional de Literatura de Passo Fundo. Convidado para o debate A Sublimação do Homem pela Estética e Espiritualidade, disse, em entrevista coletiva, que não pretendia tratar de política, mas acabou falando abertamente de sua decepção com o sistema político. "Depois de trabalhar com os movimentos populares para construir uma nova proposta ao País, um pequeno grupo de dirigentes vem, atola pé e alma na corrupção, comprometendo todo um projeto", afirmou o frade dominicano. Mais tarde, em conversa telefônica com a reportagem do Estado, enfatizou: "Nem sob os anos da ditadura a direita conseguiu desmoralizar a esquerda como esse núcleo petista fez em tão pouco tempo. Na ditadura, apesar de todo sofrimento, perseguições, prisões, assassinatos, saímos de cabeça erguida e certos de que tínhamos contribuído para a redemocratização do País. Agora, não; esses dirigentes desmoralizaram o partido e respingaram lama por toda a esquerda brasileira."

Na opinião de Frei Betto, o impacto é "tremendo", porque atinge uma das bandeiras mais caras dos grupos de esquerda: "A esquerda pode perder tudo, até a vida, mas não a moral."

Frei Betto é amigo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva desde que ele era líder sindical na região do ABC Paulista. Chegou a escondê-lo quando foi perseguido pela polícia política sob a acusação de subversão. Sempre apoiou o PT e com a vitória do partido em 2002 foi chamado para trabalhar no Palácio do Planalto, como assessor especial da Presidência da República. Mas ficou lá só um ano.

Ontem ele não quis nomear o núcleo petista ao qual se referia, mas insistiu que o PT deve agir com firmeza, para identificar os responsáveis e puni-los. Se não fizer, a desmoralização será maior.

"Não me atrevo a prejulgar ninguém", afirmou. "Mas já temos dois réus confessos, o Delúbio Soares e o Silvio Pereira, cabendo agora ao partido aprofundar o trabalho de investigação para apurar toda a corrupção, ao lado das CPIs, do Ministério Público e da Polícia Federal. Não adianta tentar jogar as coisas para debaixo do tapete. O eleitorado, especialmente o eleitor mais jovem, vai cobrar caro por esse estrago."

Ele explicou que se desligou do governo porque desejava preservar a liberdade intelectual e discordava da política econômica do ministro Antonio Palocci. Também disse que quando estava no Planalto não soube nada sobre o mensalão. "Nunca tive a mínima idéia da existência desse esquema. Se tivesse percebido teria saído antes."

RENOVAÇÃO

Apesar da decepção, Frei Betto não desistiu do PT. Embora não seja oficialmente filiado, defende o voto no ex-deputado Plínio de Arruda Sampaio, na eleição para a escolha da nova direção petista, dia 18 de setembro. Plínio representa parte das tendências de esquerda e se opõe ao Campo Majoritário, o grupo moderado que hoje controla a direção nacional e do qual fazem parte o ex-ministro José Dirceu, Lula e Palocci. "É preciso renovar urgentemente a direção do PT", afirma o escritor.

Ele também reafirmou confiança na reorganização da esquerda. "Estou ajardinando minha esperança. Vamos sair dessa, porque a desigualdade social, que estão no centro de nossas lutas, ainda persistem, infelizmente. Não posso perder a esperança, porque seria trair a causa dos pobres."