Título: Menos, pessoal, bem menos...
Autor: Ivan Carvalho Finotti
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/08/2005, Aliás, p. J4

Menos ruído, por exemplo. E menos bulha. Menos sensacionalismo, também. Menos joio (e mais trigo). Menos farisaísmo. Menos exibicionismo. Menos narcisismo. Menos discursos, presidente. Menos lágrimas de crocodilo. Menos tagarelice. Há promotores falando demais e parlamentares aparecendo além da conta e do decoro. Até o comentarista político Merval Pereira, que ninguém pode acusar de petista, já se incomodou com o comportamento dos "garotos" da CPI dos Correios - ACM Neto e Rodrigo Maia (do PFL) e Eduardo Paes (do PSDB) -, que, na avaliação de políticos veteranos, "estão gostando dos holofotes e às vezes vão com muita sede ao pote, especialmente os do PFL". Ora, direis, vícios de catecúmenos sem juízo e demasiado ambiciosos. Nada disso, discordaria William Faulkner. Inclinações etárias, diria ele, compulsões hormonais.

"A angústia do mundo", escreveu Faulkner, "é causada por gente entre 20 e 40 anos. As pessoas da minha região que causaram toda a tensão inter-racial - os Milams e os Bryants (no assassinato de Emmet Till) e as gangues de negros que agarraram e estupraram uma mulher branca por vingança, os Hitlers, Napoleões, Lenins - todas essas pessoas que são símbolos da angústia e do sofrimento humanos, todas elas tinham de 20 a 40 anos."

Claro que os deputados acima citados não se encaixam no implacável perfil traçado pelo autor de O Som e a Fúria, mas não custa notar a coincidência: ACM Neto está com 26 anos, Rodrigo Maia tem 35 e Eduardo Paes, 37 (e a espantosa marca de quatro mudanças de partidos em nove anos de vida - ou volubilidade - parlamentar).

Vocês também, coleguinhas: menos. Certos jornalistas estão abusando do açodamento, da irresponsabilidade e do off, como se o mar de lama em que os Irmãos Metralha do PT nos atolaram exigisse, para combinar, uma imprensa, se não marrom, begezinha. Que cor, aliás, melhor qualificaria o tipo de nota que a colunista social Hildegard Angel dedicou, na sexta-feira da semana passada, ao doleiro Hélio Laniado?

Como é do conhecimento de todos, Laniado, sócio de Toninho da Barcelona, foi preso em Praga pela Interpol sob acusação de remessa ilegal de US$ 1,2 bilhão para o exterior, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. Porque considera US$ 1,2 bilhão "uma gotinha d'água no escândalo de mais de US$ 30 bilhões do Banestado", a colunista do Jornal do Brasil teve o desplante de incensar o doleiro playboy e oferecê-lo como um dos solteirões mais cobiçáveis da praça. Assim:

"Excelente papo, interessado em tudo à sua volta, com boa base cultural, dominando qualquer assunto, Hélio Laniado é daqueles que sabem ser ricos. Gosta e entende de vinho como poucos, demonstra bom gosto para se vestir, sempre de maneira discreta, pratica ginástica regularmente e, além de colecionar mulher bonita, cultiva outros hobbies simpáticos, como, por exemplo, ser DJ de suas próprias festas e das festas dos amigos."

Hilde inventou o classificado de trambiqueiro.

Também me pareceram de coloração duvidosa as matérias que a imprensa semanal dedicou, no último fim de semana, ao ciclo de palestras "O Silêncio dos Intelectuais", ora em curso em quatro capitais do País. Bolado no ano passado, tendo como inspiração o centenário de Sartre e vetor a atuação do intelectual em crises passadas, como a de Emile Zola no Caso Dreyfus, sua inesperada atualidade não foi fruto de oportunismo da parte de seus organizadores, mas do mero acaso. Seus temas já estavam programados e escritos quando estourou o escândalo do mensalão. Mesmo cientes disso, as semanais se esmeraram em desvirtuar o sentido original do ciclo, para efeito de cobranças que me fizeram lembrar as patrulhas ideológicas de 27 anos atrás.

Que história é essa de que os nossos intelectuais silenciaram diante da crise do PT? "Os intelectuais estão falando sem parar. Nos cadernos de idéias, nos cadernos culturais, nas revistas, nas rádios, nas TVs, só tem intelectual falando." (Marilena Chaui, em entrevista a O Globo, 24.8.2005.)

É verdade. Para meu gosto, deveriam até falar mais e sem evitar uns mergulhinhos, como pouquíssimos têm ousado, nos escândalos do governo FHC (Sivam, Pasta Rosa, Precatórios, compra de votos em 1997, desvalorização do real, privataria etc.), já que todos concordam com o caráter endêmico da nossa corrupção. Mas nem assim nossos intelectuais ganhariam mais espaço nas revistas semanais, por incômodos e tergiversantes, e também porque elas, infelizmente, preferem encher suas páginas com platitudes, fuxicos e frivolidades de celebridades.

Época desqualificou as palestras a priori, como devaneios acadêmicos, como masturbações mentais de nefelibatas que "acham que hoje, no Brasil, existem discussões superiores à crise que pode encerrar o governo Lula e o partido que encarnou o principal projeto de esquerda para o País nos últimos 25 anos". Existem, sim, e uma delas é a crise de qualidade da imprensa. De mais a mais, o valor de uma discussão não se mede pelo assunto em pauta, e sim pela qualidade das idéias nela dispostas. Mais útil me parece uma palestra sobre os antagônicos conceitos de engajamento político de Sartre e Merleau-Ponty, como a que Chaui fez na abertura do ciclo, do que um debate a mais sobre o chove-não-molha das CPIs.

Cobrou-se até a origem do patrocínio do ciclo (Minc, Petrobras), suposto índice de um evento chapa-branca, que contra o governo Lula não ousaria dizer uma palavra. Leviana avaliação. O governo Lula e as trapalhadas do PT não deixaram de ser espinafrados durante as primeiras palestras e das próximas, na certa, não escaparão. O sociólogo Marcelo Coelho questionou "a falsa universalidade do PT" e sua festiva submissão ao marketismo. O cientista social Chico de Oliveira acusou o PT de "partido de gangues" e desfiou um rosário de críticas ao governo Lula que só não soaram como música aos ouvidos da oposição porque o autor de O Ornitorrinco fala de uma incômoda perspectiva ideológica e aponta a adoção das "teses do cardosismo" como um dos erros fatais do PT.

Nem sequer ao longo das conferências de Chaui a crise do PT foi deixada no freezer. Sutis alusões ao presente, só não percebidas pelas mentes rombudas, enriqueceram seu paralelismo entre Sartre e Merleau-Ponty. Para publicações à cata de declarações bombásticas, nada mais decepcionante do que ouvir uma intelectual falar de forma alusiva (Montesquieu não fez isso?) e reivindicar seu direito ao silêncio enquanto nada de original tem a dizer. Chaui não quer dar opiniões, tão-somente, mas oferecer uma análise à altura de uma pensadora, tarefa que requer serenidade e uma compreensão menos lacunar do que está acontecendo.

Ela, a rigor, não fugiu da raia, não calou o bico. Questionou o "erro de timing" do governo, a escolha de prioridades erradas e as alianças espúrias a que se submeteu. Deixou claro que, enquanto não houver reforma política, "continuaremos gritando contra a corrupção e o mau-caratismo dos políticos, mas não resolverá nada". Falou mais e melhor do que falaria, por exemplo, a atriz Maitê Proença, a "filósofa" de plantão da Época.