Título: Em tempos de crise, honestidade
Autor: Luciana Garbin
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/08/2005, Metrópole, p. C1

Em tempos de crise política e denúncias de corrupção, ser símbolo de honestidade dá status. De férias em Sobral (CE), sua cidade natal, o faxineiro Francisco Basílio Cavalcante tem dado até autógrafos. A fama veio após encontrar US$ 10 mil no banheiro do Aeroporto de Brasília, no ano passado, e devolver, embora tivesse contas de água e luz atrasadas e salário de R$ 370,00. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva o apresentou como exemplo ao Brasil e hoje, promovido a supervisor de limpeza, ele se orgulha. "Vale a pena ser honesto e querer só o que é da gente, sem crescer o olho no dos outros." Quanto mais se fala em mensalão e caixa 2, mais ações como a de Cavalcante ganham destaque. Até por questão de sobrevivência. Pode parecer paradoxal, dizem especialistas, mas há muito tempo não se falava tanto de honestidade. "Quando ela está ausente, sentimos necessidade de trazê-la à discussão, porque sua ausência é insuportável, dá medo", diz Branca Jurema Ponce, professora titular da PUC. "Até inconscientemente, as pessoas pressentem o risco do caos que seria viver só entre desonestos."

Honestidade, diz ela, não é coisa passageira. É valor de respeito ao outro e ao coletivo, construído a partir de várias formas de educação que recebemos - familiar, escolar, da mídia, social, política. Como uma bricolagem. "Cada ser humano é uma bricolagem única. Na Idade Média, acreditava-se que o indivíduo nascia bom ou mau, mas essa concepção foi superada. Hoje, se vê honestidade como construção. Ninguém nasce com ela, é algo construído."

E aí surge outra situação aparentemente paradoxal. As mesmas denúncias de desonestidade que provocam desilusão também motivam o amadurecimento. Coordenador pedagógico do Colégio São Luís, Laez Barbosa Fonseca tem constatado isso na sala de aula. "Num primeiro momento, você percebe o desencanto dos jovens diante dos acontecimentos e um certo torpor, como se estivessem anestesiados frente à grandeza da corrupção. E fica fácil ouvir dizerem que não vale a pena ser honesto", conta. "Mas, ao passarem do campo da reação à reflexão, eles são capazes de fazer a leitura do que está ocorrendo e se posicionarem. E você passa a ouvi-los dizer que tudo pode ficar pior se não agirem com honestidade, que sem ela a sociedade não sobrevive."

Há quem diga também que ser honesto dá lucro. Como o mecânico Ângelo Freitas. Aos 65 anos, ele aprendeu com o pai que a pessoa pode não ter nada na vida, mas caráter e honestidade são essenciais. Conselho que passou aos filhos e diz pôr em prática trabalhando direito e cobrando o justo. "Nossos clientes são todos de boca em boca e honestidade para nós aqui dá resultado. Só não sei se no governo ocorre a mesma coisa", diz, rindo.

Se ele acha que tanta corrupção incentiva a desonestidade? "Os desonestos, claro, pensam: 'Se os outros lá de cima fazem, por que a gente não vai fazer?' Mas para quem é honesto, isso não quer dizer nada."