Título: Um ano depois, Beslan continua triste e silenciosa
Autor: Jeremy Page
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/08/2005, Internacional, p. A20

A pequena Alyona Tskayeva olha a foto de sua mãe e suas irmãs mortas e depois desvia o olhar, procurando algo mais interessante. Sua avó, Klara Gasinova, a recoloca na estante, endireitando a faixa preta sobre a foto - uma das poucas lembranças que tem dos entes queridos que perdeu no cerco da escola em Beslan, há um ano. "Creio que ela nem se lembra mais da mãe. Ela costumava chorar à noite, como se estivesse se lembrando, mas não chora mais", diz Klara, sorrindo carinhosamente para a neta de 18 meses. "É graças a Alyona que ainda estamos aqui. Graças a ela tenho forças para continuar", acrescenta ela, que cuida de Alyona desde que um soldado a carregou para fora da escola no segundo dia da ocupação. Um fotógrafo capturou a cena e a foto se tornou uma imagem emblemática do cerco de três dias que terminou com a morte de 331 pessoas, na maioria crianças.

A mãe de Alyona, Fátima, e uma irmã de 9 anos, Kristina Tskayeva, foram mortas no cerco. Um ano depois, um pesado silêncio paira ainda sobre a cidade, com poucas crianças nas ruas ensolaradas. A escola permaneceu intocada. O telhado em ruínas permitiu que água da chuva encharcasse muitos dos livros rasgados que ficaram misturados com as flores murchas e a munição gasta no assoalho das salas de aula.

Num cemitério especialmente construído, mulheres de preto cuidam dos túmulos de seus parentes, limpando carinhosamente as beiradas de mármore como se alisassem os lençóis da cama de uma criança doente. Psicólogos dizem que essas são apenas as marcas visíveis de uma tristeza que se abateu sobre a cidade toda. O povo ossetiano de Beslan, extremamente tradicionalista, demora para assimilar a dor.

"Muitos adultos estão profundamente deprimidos. Quando você começa a lhes falar, eles simplesmente choram. Toda Beslan está assim", diz Larissa Khabayeva, uma psicóloga do centro de reabilitação financiado pela Unicef na vizinha Vladikavkaz.

Risos de crianças enchem o centro de reabilitação onde voluntários conduzem jogos e ajudam as crianças a pintar. Mas o ambiente alegre, diz ela, é enganoso. Essas crianças são as afortunadas. "Das crianças que estamos tratando, 50% não têm respondido a nossos esforços. Ainda encontramos crianças que simplesmente não saem da casa", diz Larissa. "Um terço das crianças traumatizadas tem menos de 13 anos. Elas se tornarão adolescentes e todos os problemas ocultos aflorarão."

A cultura machista também tem impedido homens e meninos de procurar ajuda psicológica - armazenando problemas para o futuro. "Os homens precisam falar sobre seus problemas. Mas isso é difícil porque nossa cultura não permite que homens chorem, expressem suas emoções", diz Larissa.

Roman Bichegov-Begoshvili, que parece dez anos mais velho do que seus 42 anos, passa o tempo fumando no jardim e olhando para um carro quebrado no outro lado da rua. Ele perdeu o filho Kazbek, de 9 anos, no cerco, e decidiu ter outro para ajudar a aliviar o sofrimento - a primeira criança concebida para preencher o vazio legado pela tragédia.

"Francamente, resolvi ter essa criança por minha esposa. Ela chorava o tempo todo. E talvez o tivesse feito por mim mesmo também, para tornar as coisas mais fáceis para mim. Para ajudar minha alma", diz ele, enchendo outro copo de vodca para um hóspede. "Apesar de nosso novo filho, será muito difícil para mim esquecer isso. Esse sofrimento é suficiente para 110 anos. Jamais poderei esquecer."