Título: Tática guerrilheira põe Dirceu em rota de colisão com Lula
Autor: Vera Rosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/08/2005, Nacional, p. A4

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está muito irritado com o ex-chefe da Casa Civil e deputado José Dirceu (PT-SP). Nas conversas sobre a crise política, Lula mostra inconformismo ao ver Dirceu vangloriar-se de sua "fidelidade canina", afirmando que tudo o que fazia era do conhecimento do presidente. "Que presidente é esse que ele fala?", perguntou Lula, nos últimos dias, segundo relato de três interlocutores ouvidos pelo Estado. A estratégia de salvação adotada por Dirceu, no diagnóstico feito pelo governo, dirige todos os holofotes para o Palácio do Planalto. Até mesmo quando o assunto é a eleição da cúpula do PT. Motivo: Dirceu trava ruidoso embate com o presidente interino do partido, Tarso Genro, obrigando Lula a entrar em mais uma linha de tiro.

Preocupado com a crise que nunca termina, Lula fez uma promessa para Nossa Senhora Aparecida. Quer terminar seu governo em paz e ser reconhecido. É por isso que tem carregado a imagem de Nossa Senhora na lapela do paletó.

A primeira vez que ele usou o broche foi na quinta-feira, quando, diante de uma platéia formada por integrantes do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, mandou recado para seu ex-chefe da Casa Civil: "Cada um dos meus companheiros sabe que pode ser o meu melhor amigo, dentro ou fora do PT, mas, se cometer alguma coisa de equívoco de conduta, com a mesma grandeza que o convidei para vir para o governo eu o convido para deixar." E prosseguiu: "Depois, responderá onde tiver que responder."

REVOLTA

Dirceu ficou furioso com Lula. Em diálogos reservados, o deputado, que enfrenta processo de cassação na Câmara, disse que está "pagando mico" em público e sendo rifado injustamente. Avalista das alianças eleitorais que conduziram Lula ao Planalto, em 2002, Dirceu dá sinais de revolta com o presidente. "Por acaso fui eu que não quis fazer coalizão com o PMDB logo no início do governo?", perguntou. "E fui eu que demorei todo aquele tempo para fazer a reforma ministerial?"

Na prática, Lula e Dirceu protagonizam novamente a queda-de-braço que mantiveram dentro do governo, durante 30 meses. Uma disputa silenciosa e nos bastidores, acompanhada de perto pelo ministro da Fazenda, Antonio Palocci.

A referência que o ex-chefe da Casa Civil faz hoje ao veto imposto por Lula ao casamento de primeira hora com o PMDB também é citada por outros petistas, na tentativa de explicar por que o PT teve de se unir a partidos como o PTB do deputado Roberto Jefferson (RJ). Muitos, porém, atribuem a culpa de toda a tragédia ao próprio PT.

"A forma de organização do PT se mostrou eficaz na oposição, mas ineficiente e desastrosa para governar", definiu o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. "Ganhamos a eleição do Lula, mas boa parcela de nós se comportou como oposição. Foi por isso que o governo ficou mais dependente de alianças com outros partidos."

Com um semblante tenso e abatido, o presidente diz não saber "até onde vai" o esquema de corrupção que envolveu o governo, o PT e uma penca de siglas. Ele também manifesta irritação com o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, que, se não renunciar, será expulso do partido no próximo dia 3, quando haverá reunião do Diretório Nacional. Lula tem afirmado que Delúbio não faria nada sozinho.

Apesar de admitir que o ex-tesoureiro ficou deslumbrado com o poder, Lula parece acreditar que o velho conhecido dos tempos de sindicalismo não usou recursos arrecadados ilegalmente em benefício próprio. Seria tudo para ajudar o PT.

FÍGADO

Os interlocutores de Lula são unânimes em afirmar que ele também está muito aborrecido com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Em declarações públicas, FHC disse achar difícil que Lula não soubesse das práticas que levaram o País à crise política.

"Eu já apoiei Fernando Henrique em situações muito difíceis, já prestei solidariedade a ele", comentou o presidente Lula, de acordo com um auxiliar. "A política não pode ser feita com o fígado."

Depois de avisar que não agirá como os ex-presidentes Getúlio Vargas, que se suicidou, nem seguirá o exemplo de Jânio Quadros, que renunciou, e muito menos será um João Goulart, deposto pelo golpe militar de 1964, Lula ficou mais aliviado. Não sabe, ainda, se terá condições de concorrer a um segundo mandato, no ano que vem. Mas insistiu que terá a paciência do mineiro Juscelino Kubitschek, o presidente da conciliação. Detalhe: a biografia de Juscelino é o próximo livro que José Dirceu pretende ler.